A Vale quer que a gente morra aos poucos’. A frase do pedreiro Adil Gonçalves Gomide, 58 anos, resume a dor de moradores da comunidade de Socorro, em Barão de Cocais, região Central de Minas, que vivem um impasse na Justiça com a mineradora por terem se reunido na própria comunidade. O sentimento é de revolta, tristeza e desilusão. Além de serem retirados das residências às pressas, essas pessoas dizem que precisam lutar na Justiça contra o poder econômico da mineradora. Como a Itatiaia mostrou nessa quarta-feira (29), o risco de rompimento da barragem causa problemas psicológicos em vários moradores.
“É um absurdo. Fim do mundo. A Vale está querendo nos punir por um direito nosso. É um crime o que estão fazendo com a gente. Fico revoltado por causa do meu pai, que é doente. Estamos morrendo aos pouquinhos, porque a revolta mata”, disse Adil, que nasceu e passou a vida inteira em Socorro, até ser obrigado a sair de casa em fevereiro de 2019, sem o direito de ao menos levar os pertences pessoais.
Segundo moradores ouvidos pela Itatiaia, o impasse foi iniciado em setembro do ano passado, quando eles voltaram à comunidade em protesto contra o fim do auxílio mensal dado pela mineradora. Em razão do risco de rompimento da barragem Sul Superior, na mina do Gongo Soco, decretos municipais proíbem o acesso de pessoas ao local.
Em primeira instância, a Justiça negou o pedido da Vale para remover as famílias. No entanto, a mineradora recorreu ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que decidiu, em caráter liminar, que essas pessoas e outros terceiros que possam ‘invadir’ a área sejam intimadas e fiquem impedidos de ingressar na zona de autossalvamento da barragem Sul Superior.
O sonho da Vale é que Socorro acabe”, garante Adil, que diz ainda que os imóveis da comunidade, incluindo a Igreja Nossa Senhora Mãe Augusta do Socorro, que tem 300 anos de história, estão sendo destruídos pela falta de cuidado da mineradora. “Para a Vale, a igreja cair seria um presente”.
Adil e outros moradores da comunidade foram retirados da comunidade às pressas no dia 8 de fevereiro de 2019. De acordo com ele, a previsão de autorização para voltar aos lares é 2028. “As casas estão com perda total. As ruas acabaram todas e a gente fica preocupado com a igreja”, diz o morador, que voltou ao templo recentemente, mesmo com a proibição da Justiça, para tirar novas goteiras do teto.
“Nós que somos da roça é que estamos sofrendo em Barão. A Vale quer que a gente morra aos poucos. Mas, enquanto temos força, vamos brigar. Tenho fé em Nossa Senhora que vamos vencer o dragão, que é a Vale”, diz morador.
De acordo com ele, desde setembro de 2020 essas famílias não recebem mais o auxílio mensal repassado pela mineradora. Atualmente, recebem vale-gás (R$ 100), cartão alimentação (valor varia de acordo com o número de pessoas na família) e o dinheiro do aluguel.
Outros interesses
A reportagem ouviu outros moradores citados na Justiça por terem se reunido na comunidade após o isolamento da região. É a situação de Amarai Paulo de Morais, 48 anos, que foi retirado de casa junto com a esposa, dois filhos, uma neta e uma cunhada especial.
“Se você tem direito a receber 100 mil, a Vale gasta R$ 200 mil para um advogado para não ter que te pagar. A Vale é assim”, diz o Amarai, que vê outros interesses da mineradora na região e reclama da forma de negociação.
“A Vale quer fazer acordo como se Socorro fosse área urbana, mas é rural. Tenho escritura e tudo. Eles querem fazer isso porque é mais barato. A Vale está pressionando o povo a vender, porque deve ter interesse na área. Os antigos falam com a gente que Socorro tem muito ouro e a Vale quer obrigar o povo a vender barato para tomar conta. Muita gente fez acordo e hoje está sem nada. Um lote hoje em Barão custa R$ 200 mil, disse Amarai, que recebeu a notificação judicial 15 dias após o encontro em Socorro, em 2020.
Indignação
A analista administrativa Elida Couto, de 34 anos, diz que também foi acionada na Justiça pela mineradora por ter passado uma noite na própria casa. “A gente juntou e voltou para casa, porque a gente estava em casa e não pediu para sair. Por isso, pessoas de bem estão recebendo processo, mas bandido entra, sai, faz a festa lá e ninguém nunca foi preso, ninguém nunca recebeu um processo. Então, assim, é realmente revoltante”, disse Elida, referindo-se a furtos registrados na comunidade após a saída dos moradores do local.
Sirene
O drama dos moradores de Socorro começou há quase três anos, quando a sirene de alerta soou, seguida da mensagem: “Atenção, essa é uma situação real de emergência de rompimento de barragem”. Desde então, quem vivia na pacata e histórica comunidade passou a ter uma vida de incertezas e sem direção.
“Saí de casa no dia 8 de fevereiro de 2019 devido ao suposto risco de rompimento da barragem Sul Superior, pertencente à Vale. Saímos de madrugada, com a roupa do corpo, sem documentação, sem nada, deixando tudo que a gente levou uma vida inteira pra construir”, lembra Elida, que saiu de casa com os pais e uma tia.
Assim como Amarai, Elida considera que a mineradora tem outros interesses na região. “A Vale está fazendo negociações com algumas pessoas. Só que a gente vê o interesse dela maior em comprar, em vez de retornar com a comunidade para lá. A gente vê um interesse muito grande para adquirir as áreas. Não acho que adquirindo ela vai reparar alguma pessoa, mas sim, estará adquirindo propriedades, porque a gente sabe que ela tem outros interesses lá”, diz.
O que diz a Vale
A reportagem da Itatiaia procurou a Vale para saber a posição da empresa sobre os relatos dos moradores. Em nota, a mineradora informou que o acesso à Zona de Autossalvamento (ZAS) da barragem Sul Superior está proibido desde 2019 por meio de decretos municipais.
“Visando reforçar a medida já estipulada e garantir a segurança e a integridade da comunidade, a Vale ajuizou ação para que pessoas não ingressassem na área da ZAS. Isso porque, apesar da proibição, invasões ocorreram no local. As famílias poderão retornar para as casas de origem, se assim desejarem, após a conclusão da descaracterização da barragem Sul Superior”, diz o texto, sem informar uma previsão para o retorno.
Sobre a situação da Igreja Nossa Senhora Mãe Augusta do Socorro, a mineradora destaca que, ainda em fevereiro de 2019, “realizou o resgate das obras sacras acauteladas da igreja. As peças estão sob guarda da paróquia São João Batista, em Barão de Cocais, para permitir que a comunidade continue tendo acesso às obras. A empresa também realizou, com as devidas autorizações, o registro digital (escaneamento em 3D) como forma de salvaguarda do bem. A ação ainda permitiu a avaliação da condição estrutural do imóvel”, diz trecho da nota.
Sobre as indenizações, a Vale reforça que os acordos são avaliados de maneira individual. “A empresa esclarece que a mina de Gongo Soco está inativa desde 2016 e que a empresa não protocolou pedido na Agência Nacional de Mineração para ampliação da exploração de minério na mina desde então”.
A empresa diz ainda que apoia a ‘segurança pública nas ações na comunidade, com vigilância por meio de câmeras e rondas com equipes privadas no entorno da zona de autossalvamento (ZAS) da barragem Sul Superior’.
Fonte: Rádio Itatiaia