Alcançar um ritmo várias vezes mais acelerado que o melhor desempenho em termos de quilômetros duplicados na BR-381 até hoje: esse é a performance mínima necessária para que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) cumpra uma das principais promessas de campanha aos mineiros – concluir a duplicação de 222,6 quilômetros da Rodovia da Morte, como é conhecido o trecho entre Belo Horizonte e Governador Valadares (veja quadro). “É um compromisso nosso para cumprir aquilo que queríamos fazer quando Dilma era presidenta. Não queremos que essa estrada continue sendo chamada a estrada da morte. Por isso, queremos assumir o compromisso de duplicar essa estrada até Governador Valadares”, disse o então candidato quando esteve em Ipatinga, no Vale do Aço, em 23 de setembro de 2022.
Desde a ordem de serviço expedida em 12 de maio de 2014 até o momento, foram três presidentes e apenas 83,045 quilômetros duplicados do total de 305 quilômetros do projeto, divididos entre os oito lotes que cabem ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit). Atualmente, enquanto parte do concreto utilizado em trechos concluídos já apresenta rachaduras, falhas e rombos que chegam a expor o solo, só dois lotes têm contratos.
O melhor ritmo de entrega de trechos concluídos ocorreu no mandato de Dilma Rousseff (PT), que em média concluía um quilômetro de pistas duplicadas a cada 26 dias e 13 horas. O desempenho é seguido pela gestão Michel Temer (MDB), que precisava de 36 dias e 4 horas para cada mil metros entregues. Na sequência aparece o governo Jair Bolsonaro (PL), até o momento com 43 dias e 4 horas de média por quilômetro duplicado.
O Dnit informou que em 2020 foram entregues 37,5 quilômetros do lote 7 da rodovia, o que representa toda a extensão desse trecho, mas no governo Dilma foi divulgada a entrega de 10,8 quilômetros do mesmo segmento e a gestão Temer afirmou ter concluído outros 13,2 quilômetros, restando 13,5 quilômetros do percurso para serem terminados no atual mandato. O Dnit informou que mais 5 quilômetros devem ser entregues até março de 2023.
Se Lula quiser terminar a duplicação da BR-381 dentro dos 1.825 dias do mandato que está por vir, precisará entregar um quilômetro a cada 8 dias e 3 horas, o que significaria um desempenho 3,2 vezes mais eficiente do que o de Dilma Rousseff. Se for mantido o ritmo da gestão da petista entre 2014 e 2016, seriam necessários 17 anos para o fim das obras, com a inauguração em 30 de abril de 2039. Jair Bolsonaro, caso tivesse sido reeleito e quisesse duplicar a rodovia dentro do mandato, teria de ampliar sua eficiência em praticamente 6 vezes.
Tecnicamente, o professor Antônio Prata, aposentado do Departamento de Engenharia de Transportes do Cefet-MG e doutor em engenharia com tese em mobilidade urbana, crê que isso é possível, desde que haja um empenho que realmente priorize a obra. “Entendo que há tempo suficiente para terminar a duplicação de BH a Governador Valadares. Mas, lógico, se houver prioridade, como objetivo número 1. Se brincar, não corta a fita”, alerta Prata, em imagem que se referindo à inauguração da obra.
O especialista lembra que outros trechos chegaram a ser duplicados com eficiência em governos passados. “Podemos lembrar da BR-262 (Divinópolis a Nova Serrana) e boa parte da BR-101 (Região Nordeste) nos governos Lula e Dilma. Então, é viável, se houver uma sinergia entre os governos federal e estadual, não importando partidos ou apoios políticos. Assim, seria possível ter uma BR-381 duplicada de São Paulo a Governador Valadares”, afirma.
Uma das características que trazem confiança ao especialista é que trechos mais acidentados, entre Belo Horizonte e João Monlevade, áreas de grandes pontes, viadutos e túneis, já estão prontos, restando áreas onde com o empenho adequado se pode conseguir melhor rendimento. “Não é barato construir rodovias em qualquer lugar. Mas, em regiões serranas, isso é ainda muito mais caro. A região de Ipatinga a Valadares, mesmo tendo o Rio Doce e não sendo plana, ainda é menos acidentada do que a região de João Monlevade, Nova Era, Antônio Dias e Belo Horizonte. Então, nesse trecho de Ipatinga a Valadares, é preciso aproveitar e evoluir mais rápido com a duplicação. Entre João Monlevade e Ipatinga, o trecho também é de morros e curvas, mas ainda melhor que outros já implantados”, avalia o especialista.
Em marcha lenta
Velocidade de duplicação da BR-381 por mandato dos últimos presidentes
AVANÇO
Ainda que apenas 27% da rodovia esteja duplicada e em segmentos não consecutivos, os benefícios dessas pequenas liberações já representam melhorias para viajantes, segundo observa o doutor em mobilidade. “Antes dos trechos duplicados, havia uma estimativa de cobrir o trecho de Belo Horizonte a Governador Valadares em seis horas e 30 minutos, em média. Isso tem caído para cinco horas e 30 minutos, o que já se mostra muito bom. Sem falar que as rodovias duplicadas são incomparavelmente mais seguras que as de pistas simples, principalmente como a BR-381, que por ter tantas curvas fechadas recebeu o triste codinome de Rodovia da Morte”, afirma o professor Antônio Prata.
A obra que virou novela
A novela da duplicação do trecho Norte da BR-381, entre Belo Horizonte e Governador Valadares, vem desde meados da década de 1990, quando a Lei das Delegações (Lei 9.277/96) permitiu aos estados receberem bens da União para administrar. O Lote 3 do Plano Estadual de Concessão de Rodovias previa a estatizar o Corredor Leste de Minas – Vale do Aço, compreendido pelas rodovias BR-381 e BR-262, sendo delegado em 1998 ao governo estadual por meio de convênio firmado entre o então presidente da república, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e o governador Eduardo Azeredo (PSDB).
Pelo programa, o governo mineiro executaria a duplicação entre Belo Horizonte e João Monlevade e construiria terceira faixa até Ipatinga, dispondo em caixa para isso de cerca de US$ 200 milhões, provenientes da privatização da Vale. Mas depois que assumiu o governo de Minas Gerais, em 1999, Itamar Franco (PMDB), rival político de Fernando Henrique, desistiu do programa e devolveu as vias para a União.
Entre 2003 e 2007, no governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT), uma série de estudos de viabilidade de duplicação foram feitos. Em 2008, Lula chegou a incluir a duplicação da BR-381 no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), mas o projeto executivo só ficou pronto em 2009, o que empurrou a obra para o PAC 2. Só em 12 de maio de 2014 é que a ordem de serviço da duplicação foi assinada pela então presidente Dilma Rousseff (PT).
Porém, no início de 2015, a empreiteira espanhola Insolux abandonou as obras de duplicação sob sua responsabilidade, fazendo um acordo com a Justiça para terminar apenas o que tinha começado. Em 26 de março de 2016, o enxugamento de R$ 21,1 bilhões do orçamento nacional teve impacto no Ministério dos Transportes, que teve verba reduzida para R$ 6,8 bilhões, frente a uma carteira de obras de R$ 31 bilhões, obrigando só o Dnit a paralisar 61 contratos de obras rodoviárias, entre elas a duplicação da BR-381.
Esperança esbarra em descrédito de usuários
Era fim da manhã de uma sexta-feira quando o condutor da carreta carregada de madeira não conseguiu fazer a apertada curva do Km 364 da BR-381, em João Monlevade. Acabou entrando na vala do acostamento, fazendo com que outro veículo de carga tombasse na Rodovia da Morte, que feriu mais um caminhoneiro. “Essa rodovia não presta. Desde os 8 anos ajudo em oficina, e agora desviro carretas e reboco carros. Quantos trabalhadores já foram para o Hospital Margarida (João Monlevade), como o dessa carreta, ou levados até de helicóptero para Belo Horizonte? Quantos pais, mães e filhos já morreram?”, questiona o operador de reboque Marcus Vinícius Lages Carvalho, de 41 anos. Balançando a cabeça negativamente, ele diz não acreditar ser possível que o próximo governo (2023-2027) termine a duplicação. “Mais promessas”, limitou-se a dizer.
A descrença é a mesma de outros usuários, sobretudo entre aqueles que, além de terem de rodar fora dos trechos já duplicados (73% da rodovia entre BH e Governador Valadares), ainda encontram muitas avarias nas estruturas que já foram entregues desde 2014. O trecho pior e mais perigoso fica nas curvas que antecedem e sucedem a ponte do Km 412, em Nova União (Grande BH), onde uma seção inteira de concreto está arruinada, com crateras capazes de tragar uma roda, além de rachaduras e da exposição do solo e de vergalhões.
A situação obriga quem por ali passa a desviar, muitas vezes em cima do obstáculo, com manobras que trazem muitos riscos. Em Roças Novas (distrito do município de Caeté, na Grande BH), os problemas são semelhantes. Em Bom Jesus do Amparo, algumas das falhas receberam remendos de asfalto, pavimento que rapidamente vai se desprendendo do concreto que compõe a duplicação, o que tende a ser acelerado com as chuvas.
“Achei que, com a duplicação, meu negócio ficaria mais fraco, mas esses buracos todos no concreto estão amassando rodas, furando pneus e até trazendo acidentes. Não posso acusar, mas me parece que foi uso de material ruim, quem sabe até superfaturado. Não tem lógica o concreto já estar assim”, afirma o borracheiro Francisco Morais dos Santos, de 57 anos. Nem ele nem o aposentado Aldinei Flávio da Silva, de 46, que sempre trafega entre Nova Era e Roças Novas, acreditam que a duplicação total saia até 2027. “Se nem o que fizeram conseguem que dure, imagina o que está por vir. Mais promessas que fazem, o povo aqui só acredita agora se começar a sair”, disse o aposentado.
O Dnit informou que quanto às “patologias observadas no pavimento de concreto, a empresa responsável já foi notificada para executar a reparação, de forma a sanar os problemas identificados”.
Fonte: EM