Economista, sócio da Gávea Investimentos e ex-presidente do Banco Central (BC), Arminio Fraga é um conselheiro importante daqueles que levam a economia brasileira a sério. Neste momento, sua atenção está voltada à aprovação da reforma da Previdência, que ainda é alvo de um cabo de guerra entre governo e oposição no Congresso Nacional. Para Fraga, o projeto desenhado pelo governo tem uma série de qualidades e resolveria metade dos problemas do país. O economista alerta que a reforma previdenciária, além de precisar ser aprovada agora para melhorar as contas públicas e, consequentemente, o ânimo dos empresários brasileiros para que voltem a investir, ainda vai exigir do próximo governo muita ousadia diante dos ajustes que precisam ser feitos. Nesta entrevista, Fraga mostra sua preocupação com o ambiente eleitoral de 2018, defende a discussão sobre um modelo que mude a participação do governo no capital da Petrobras e alerta para a necessidade de destravar os investimentos do setor produtivo, tanto da indústria quanto de serviços, para que a economia volte a crescer e a taxa de desemprego recue de forma mais consistente.
Que papel tem a reforma da Previdência na recuperação da economia brasileira?
Existe hoje uma certa consciência de que, do jeito que as coisas estão, nós vamos acabar muito mal. No caso da Previdência, que é o que mais cresce dentro do orçamento e absorve recursos de outras áreas vitais, olha a dificuldade que se está tendo para aprovar a reforma, que talvez resolvesse metade dos nossos problemas. Dá medo desse quadro, que ainda apresenta muita dificuldade nessas questões. Em alguns casos, por falta de investimento, em outros por questões de natureza política. Mas o fato é que o próximo governo, no início de 2019, vai encontrar um colossal desafio mesmo que se aprove essa reforma da Previdência. Será necessário fazer muito mais.
A reforma da Previdência apresentada hoje é muito tímida?
Não, de jeito nenhum, está longe de ser tímida. É uma proposta excelente, só não resolve o assunto de maneira definitiva. É um passo importante, mas nós vamos precisar de muita ousadia para chegar lá. Seria um passo importantíssimo.
Este é o momento para discutir privatizações no Brasil? Como tornar ativos como Eletrobras e BR Distribuidora atraentes, principalmente para investidores estrangeiros, em um momento ainda de desconfiança em relação ao país e de aumento de taxa de juros nos Estados Unidos?
As privatizações já estão acontecendo, seja por meio de leilões, de concessões, ou dessas operações como a da Eletrobras e BR Distribuidora. No caso da Eletrobras, é onde hoje se explora um novo modelo na medida em que na privatização existe a venda de controle. Sem a venda de controle, o assunto é outro. O momento é bom, em função do que aconteceu com todos os escândalos. O assunto está quente, portanto eu terminaria a resposta com uma pergunta. Se não agora, quando?
Os investidores estrangeiros vão ter apetite por esses ativos?
Tudo depende de um contexto maior, portanto várias dimensões têm de ser incorporadas à análise. Depende do setor, da qualidade da regulação, dos riscos em geral, tanto macroeconômicos quanto políticos. É natural que qualquer tipo de investidor incorpore essas questões nas suas avaliações. Em se tratando de investidores grandes, com recursos para analisar e que estão aqui contemplando investimentos de muito longo prazo, mais ainda. Mas isso é normal, não é diferente do que acontece em outros países.
De uma forma geral, o Brasil tem sido conservador no que diz respeito a concessões e privatizações?
Acho que não. O Brasil viveu um processo a partir do governo Collor, depois no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso se acelerou, especialmente quando naquele momento houve um redirecionamento das prioridades do Estado. Entendeu-se que o Estado não deveria estar tão envolvido em atividades produtivas, mas focado em temas típicos do governo, como educação, saúde, alguma coisa de infraestrutura, mas no âmbito regulatório. O Estado não tem capital, o nosso hoje, inclusive, tem menos, nem capacidade de gestão.
Que modelo de privatização o senhor considera ideal?
Uma terceirização supervisionada faz todo o sentido com o modelo regulatório. Esse modelo foi abandonado por questões ideológicas, e deu no que deu, abrindo-se um balcão de negócios dentro do Estado em várias áreas, com resultados dramáticos, como a depressão que o país viveu e ainda vive sob certo modo, já que o desemprego continua muito alto.
Privatizar a Petrobras é um caminho natural?
É um caso mais complicado pelo tamanho da empresa, pela sua importância. Mas certamente isso deveria ser discutido. Não acredito em vender a Petrobras para quem quer que seja, público ou privado, se for para entregar o monopólio. O setor teria de ser redesenhado pensando em concorrência. O que é bom para os consumidores é que o mercado seja competitivo, porque é isso que produz maior bem-estar. A não existência de núcleos de monopólio força a concorrência, o que melhora a qualidade dos produtos e dos serviços.
Mas e no caso específico da Petrobras?
No caso da Petrobras, seria preciso pensar nisso com cuidado, para que se construa um setor que vai entregar aquilo que a sociedade quer, e não grupos específicos que se beneficiam de uma coisa ou outra. Dentro disso tem muita coisa interessante, como o papel da pesquisa, que é crucial, mas que o mercado sozinho não entrega.
O eleitor deve levar em consideração essas questões econômicas? Ou as campanhas eleitorais deverão se preocupar em explicar melhor o que está acontecendo?
O Brasil tem sido vítima histórica do populismo, que prometeu o impossível, como a felicidade sem esforço ou sem “sacrifício”, entre aspas, porque o não ajuste sacrifica ainda mais. O populista diz: “Tenho aqui duas possibilidades, a felicidade ou o ajuste”. Isso é falso. Hoje, o Brasil se encontra num estado tal que ou se faz ajuste sacrificando a felicidade ou vamos ver uma situação ainda pior que essa. O eleitor com frequência surpreende a gente. Não descarto que ele associe esse desastre político que aconteceu com a gestão econômica e política do país. Espero que isso ocorra. Não vou dizer que sou otimista, não sou. Essa não é minha área de especialização, mas essa é a minha torcida. Mas devemos esperar um processo complexo, interativo, com um lado tentando atingir o outro.
Os candidatos populistas oferecem que tipo de ameaça?
Tenho bastante medo que o debate continue a ser populista e, se for o caso, quem chegar lá será sem um mandato para fazer o que for necessário. É só ver o vocabulário que se ouve agora, como as pessoas dizem: “Ah, estão fazendo maldade”. Maldade é o que está acontecendo agora, com essa queda de 10% no PIB (Produto Interno Bruto) per capita. Arrumar a economia, ter uma vida organizada mais previsível, isso, sim, é bom. No fundo é um desafio de convencimento difícil.
Os investidores estrangeiros devem ficar mais irrequietos em 2018 do que estão hoje?
É fazendo o dever de casa, administrando bem as coisas aqui dentro. Mas eu me preocupo muito mais com os investidores locais do que com os estrangeiros, porque o investimento aqui no Brasil parou. Está se investindo pouquíssimo e a maior parte é feita por nós mesmos. Eles têm um certo peso na formação da taxa de câmbio, mas o que vale é o que acontece aqui dentro. Se arrumarmos as coisas aqui dentro, os de fora vêm junto. Em geral, eles têm sido mais otimistas do que os de dentro.
O que foi decisivo para travar os investimentos no Brasil?
Foi o desastre econômico da administração do PT que deixou o país nesse estado. O PT e seus partidos parceiros, diga-se de passagem, incluindo ainda boa parte do setor privado. Esse período bagunçou tudo, deu tudo errado. Esse momento incluiu uma parcela significativa das lideranças políticas do país, que optaram por esse modelo e deu no que deu. Vários foram presos, não foi só ver a economia derreter. Eles se envolveram em muita encrenca, o que acabou levando à Operação Lava-Jato, o que é extremamente bom.
Chegamos no que era possível de redução na taxa básica de juros?
Não tem nada na base estrutural que impeça o país de construir o caminho para juros ainda mais baixos. Não é uma questão da natureza insuperável do nosso país. Olhando para o longo prazo, não dá para dizer. Se houver uma agenda de reformas sendo trabalhada, e com sucesso, não há por que o Brasil ter um juro parecido com o do Chile ou o do México. No curto prazo, é uma questão mais conjuntural.
Podemos esperar para o próximo ano uma geração de postos de trabalho mais consistente?
Vai depender muito de como o debate vai evoluir durante a pré-campanha eleitoral e quais sinais as pesquisas vão dar a partir de um certo momento. Essa incerteza pode ou não desaparecer ao longo do caminho. Uma recuperação mais forte dependeria disso. Hoje, o consenso é de que vai haver um pouco mais de crescimento, vai ser uma recuperação de natureza cíclica, com muita capacidade ociosa, algum espaço para aumentar o consumo. Mas ainda está carente da perna do investimento. Também está difícil contar com um grande salto no investimento, tão rapidamente. A parte que se deve investir, basicamente em infraestrutura, é lenta, com muita complexidade, como licenças. Mesmo que em determinado momento pareça um céu de brigadeiro, leva um tempinho para engrenar. Mas, em um ambiente de eleição, com alguém com uma base de reformas adequada, as coisas começam a andar bem rápido. (informações reproduzidas do Correio Braziliense)