Nascido em São Gonçalo do Pará, cidade localizada no Oeste de Minas, Zezé Perrella, 61 anos, desde a infância alimentava o amor pelo Cruzeiro. Aos oito, quando já frequentava jogos da Raposa, arrancou gargalhadas do pai ao prometer que um dia se tornaria presidente do clube. A promessa, inclusive, foi cumprida aos 36.
Com 22 títulos conquistados em 17 temporadas como “homem-forte” do atual campeão da Copa do Brasil, o hoje Senador da República retorna ao clube após hiato de seis anos. Sem o poder de outrora e com a função de presidir o Conselho Deliberativo, Zezé é parte de um ambiente político conturbado.
Em entrevista exclusiva ao Hoje em Dia, Perrella conta porque resolveu retornar ao Cruzeiro, fala dos problemas financeiros enfrentados pela Raposa, ataca a gestão de Gilvan de Pinho Tavares, a qual define como trágica, comenta o polêmico episódio do helicóptero e, projeta os próximos anos do time celeste e, como de praxe, cutuca o rival Atlético.
Por que voltou?
Eu não pretendia mais voltar ao futebol, mas senti a necessidade de ajudar o Cruzeiro. A função do Conselho não é contratar ou dispensar jogadores, mas sim fiscalizar. Acho isso extremamente necessário. O que eu quero fazer como presidente do conselho é exigir da diretoria executiva que dê satisfação. Não entrei para fazer oposição ao Wágner (Pires) e vejo que ele tem condições de fazer um ótimo mandato, mesmo não sendo o meu candidato nas eleições. Reconheço qualidades nele.
Dá vontade de dar pitaco no futebol?
Já falei para o Wágner que estou à disposição dele para ajudar em tudo o que for preciso, com a minha experiência no futebol. O Gilvan, por exemplo, achou que não tinha necessidade de me consultar em nada. Foi uma gestão desastrada; não falo de títulos, mas de gestão.
“Eu não pretendia mais voltar ao futebol, mas senti a necessidade de ajudar o Cruzeiro. A função do Conselho Deliberativo não é contratar ou dispensar jogadores, mas sim fiscalizar. Acho que isso é extremamente necessário.”
O senhor foi um dos principais apoiadores do ex-presidente Gilvan de Pinho Tavares para o sucedê-lo em 2011, e agora faz duras críticas à gestão. O que o fez mudar de opinião sobre ele?
É um cara honesto, mas a gestão foi desastrada, principalmente no sentido financeiro. Ele pegou o clube com uma dívida de R$ 100 milhões, esta construída ao longo da história, e, desta dívida, 75% estava no Refis, que custava R$ 20 mil por mês ao Cruzeiro e estava bem equacionada. Hoje, somente no Profut, são R$ 220 milhões. O Wágner contratou uma auditoria para saber a verdadeira realidade do clube e me adiantou que isso pode chegar a R$ 500 milhões.
O que isso acarreta?
É uma tragédia. O São Paulo foi um dos clubes mais organizados do Brasil até se endividar. Agora até luta para não cair. De clube modelo, referência como era, passou a ser desorganizado. O clube vive de credibilidade e infelizmente o Cruzeiro perdeu isso no mercado. Quando isso acontece, você busca recursos em bancos e os empréstimos viram de risco, pelos juros abusivos. Chegam quase a 4%.
Como manter este bom elenco?
Eu não menosprezo a gestão do Gilvan em relação aos títulos, mas tudo tem que ser feito com equilíbrio. Na minha época, eu era acusado de ser mercantilista por vender jogadores, mas ganhei mais de 20 títulos porque sabia repor. Através desta vendas eu consegui gerir o clube sem dívidas. Eu nunca atrasei um dia de impostos. Deixei o clube enxuto. Tínhamos uma dívida de R$ 35 a pagar durante o ano que poderia ser quitada com a venda do Montillo. O Gilvan, porém, não quis. A realidade agora vai mostrar o Cruzeiro que ele pegou e o que está deixando.
Mesmo com dívidas e salários atrasados, o Cruzeiro contratou jogadores de peso. Acha o caminho correto?
Apesar das dívidas, se você não tiver elenco e ganhar títulos, você não tem dinheiro. Isso pode gerar dinheiro e equacionar esta dívida. Um fracasso piora a situação. Se você não tem elenco, não tem sócio-torcedor. Se o time for bem, os investimentos serão pagos e o ano pode ser fechado no azul. Só o juros da dívida do Profut é R$ 600 mil por mês. Isso pode durar uma eternidade. Quando larguei o Cruzeiro, nossa folha mensal (custos) era de R$ 4 milhões; hoje é quase R$ 12 milhões.
Pensa em voltar a ser presidente?
Não. Senão voltava agora. O que me fez desistir de ser presidente na verdade foi o tamanho da dívida que eu encontrei. Falam que foi por medo, mas não tenho medo de nada. O que acontece é que todos iam querer que eu fosse o Zezé Perrella de 20 anos atrás, que ganhasse título todo ano, mas eu tinha consciência de que não daria conta com uma dívida deste tamanho. Se disputasse, eu seria muito cobrado. Atendendo o apelo da minha família, resolvi não disputar. Mas não fugi do pau. Fiquei como presidente do Conselho e sou cruzeirense acima de tudo. Vou olhar tudo e não deixar que façam besteira.
“O Gilvan pegou um boom do Mineirão, onde o sócio-torcedor voltou com força, as receitas aumentaram, mas não soube aproveitar disso e usou mal o dinheiro. O resultado esta aí, com as dificuldades. São três meses de salários atrasados.”
Em relação ao famoso caso do helicóptero. É um fardo que, mesmo com a condenação do piloto, te persegue?
Quero falar tudo abertamente. Em 2013, o estelionatário e safado do meu piloto, que se dizia evangélico e que dizia eu deveria buscar a Deus, pegou nosso helicóptero para fazer tráfico. Isso me fez sofrer demais, assim como minha família inteira. Às vezes vejo pessoas fazendo graça. O piloto estava grampeado pela Polícia Federal e nestes grampos ele fala abertamente com o resto da gangue que teria “que esperar o Senador e o filho dele viajarem para fazerem aquela parada”. Estavam todos comprometidos e a polícia sabia que não tínhamos nenhum envolvimento naquele episódio. É o mesmo que pode acontecer com o dono de uma transportadora, caso o motorista enfie cocaína no veículo. Que culpa ele tem?
Esse episódio te rotulou, mesmo conseguindo provar que não teve participação. Como é lidar com as marchas de carnaval e os xingamentos, principalmente, nas redes sociais?
Eu saio muito tranquilo e vou aonde quero. Saio à noite e nem ando com segurança. Claro que algum engraçadinho pode fazer alguma piada, porque o pessoal é maudoso. Se as pessoas quisessem saber realmente o que aconteceu, é muito simples. O delegado da PF, já na época, deu entrevista longa dizendo que nós não tínhamos envolvimento algum neste caso. Nós sempre ajudamos as pessoas em clínicas de drogados e jamais tornamos isso público ou fizemos propaganda disso. Foi uma coisa que me deixou chateado por ter envolvido a minha família, mas pode acontecer com qualquer pessoa. Fui vítima de um canalha que, graças a Deus, foi julgado e pegou 10 anos de cadeia. Toda gangue foi desmascarada. Ela tinha ramificações na Colômbia, no Equador, nos Estados Unidos e no México.
Ficou um prejuízo moral?
Demais. Só o fato de ficar explicando isso é uma coisa que machuca muito. Mas o que vale é minha consciência. Eu me preocupo muito com a opinião das pessoas que me conhecem e que gostam de mim. As pessoas deveriam fazer uma análise simples: eu tenho uma construtora que nunca fez uma obra pública. Poderia ter feito obras em troca de votos e nunca fiz. Já teve centenas de delações premiadas e você nunca viu o meu nome nelas. A própria Friboi, que financiou 1980 campanhas pelo Brasil inteiro, nunca deu R$ 1 para mim ou para o meu filho. Não tem ninguém que tenha me dado dinheiro, legal ou ilegalmente. Sempre fiz minhas campanhas com recursos próprios e paguei caro por isso. Se eu tiver que sair da vida pública, saio com minha consciência tranquilia. Não estou falando isso para dizer que sou diferente de alguém; eu só não roubei. A política está muito criminalizada.
“Na verdade, o que me fez desistir de ser presidente do Cruzeiro foi o tamanho da dívida. Todos iam querer que eu fosse o Zezé Perrella de 20 anos atrás, mas eu tinha consciência de que não daria conta com uma dívida deste tamanho.”
Acha que Romário, seu colega de Senado, seria um bom nome para presidir a CBF?
Seria. É uma pessoa de bem, mas que já sofre na política. Foi até acusado de ter conta na Suíça. Infelizmente, sobrou para todo mundo. Ele tem todas as condições sim, mas acho muito difícil, porque o voto não é popular. Quem elege são as federações, que tem peso três vezes maior que dos clubes; ele não conseguiria tal apoio. Nem ele, nem eu ou outra pessoa. Quem fez o Marco Polo foi o Ricardo Teixeira. Mesmo enfraquecido, ele (Del Nero) pode fazer o sucessor.
O prefeito Alexandre Kalil, quando presidente do Atlético, disse certa vez que o objetivo era destruir o Cruzeiro. Você tem o mesmo sentimento em relação ao rival?
Eu nunca pensei em destruir o Atlético. Até porque eu o achava tão insignificante. Ganharam três Campeonatos Mineiros no período que eu fui presidente. Nunca nos incomodaram. Apenas no campo da rivalidade. A gente tinha que rir de alguém; se o Atlético acabasse, a gente riria de quem? (risos) O Gilvan conseguiu se igualar ao Atlético pelo menos nas dívidas. Temos patrimônio e torcida infinitamente maior. O Cruzeiro é um time do mundo. O Atlético da região metropolitana. A torcida termina no viaduto da Cidade Industrial.
As brigas com ele eram teatro?
Não. Ele defendia o time dele e eu o meu. Nunca foi. Fora daquilo, a gente fazia juntos os acordos de televisão. Tínhamos uma relação cordial. Sempre foi muito respeitoso. Agora, quando ele espetava o Cruzeiro, eu dava o troco. E vice-versa. Agora, o importante é que nunca falávamos da moral do outro.
E a chegada do Fred?
O Fred é um jogador que tem a cara do Cruzeiro e é cruzeirense. Se conseguir jogar 70% do que jogou, será muitíssimo útil.
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*Hoje em Dia