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As estatísticas levantadas mostram que 4.473 mulheres foram vítimas de homicídio em 2017, um crescimento de 6,5% em relação a 2016, quando 4.201 mulheres foram assassinadas. Isso significa que uma mulher é assassinada a cada duas horas no Brasil, taxa de 4,3 mortes para cada grupo de 100 mil pessoas do sexo feminino. Para que o leitor tenha ideia do que isso representa, se considerarmos o último relatório da Organização Mundial da Saúde, o Brasil ocuparia a 7ª posição entre as nações mais violentas para as mulheres de um total de 83 países.
O levantamento também inclui dados sobre feminicídios e revela que foram registrados 946 casos no país ano passado, aumento de 16,5% em relação a 2016. Neste caso, o aumento é uma notícia positiva, pois indica que os estados estão se empenhando em aprimorar os registros deste crime. Mas é evidente que ainda há subnotificação.
O feminicídio é o assassinato de uma mulher pela condição de ser mulher, motivado geralmente por ódio ou desprezo. A Lei do Feminicídio (13.104 de 2015) foi sancionada há apenas três anos no Brasil, o que serve de explicação para o reduzido registro de casos nesta categoria. Como as estatísticas de mortes são produzidas a partir dos boletins de ocorrência lavrados pela Polícia Civil, muitas vezes o registro inicial é de homicídio e a classificação como feminicídio só será possível após encerradas as investigações, exigindo dos setores responsáveis pela produção de estatísticas a retificação destes casos.
Além disso, mudanças legislativas como a que a lei 13.104 introduziu exigem a formação e sensibilização de policiais e operadores do sistema de justiça criminal para que sejam capazes de diferenciar um homicídio comum de um feminicídio. Para tanto, a ONU Mulheres desenvolveu um documento para auxiliar o processo de formação destes profissionais, intitulado “Diretrizes Nacionais para investigar, processar e julgar com perspectiva de gênero as mortes violentas de mulheres (feminicídios)”. Nele, estão contidos aspectos essenciais para inclusão da perspectiva de gênero na investigação criminal e orientações para aprimorar o trabalho dos diferentes atores envolvidos como policiais, peritos e promotores.
Maridos ou companheiros
Como o Brasil ainda não conta com um sistema nacional de estatísticas criminais que monitore periodicamente o fenômeno, pesquisadores têm se debruçado em informações produzidas pelo sistema de saúde para ampliar a compreensão sobre estes casos. E se considerarmos os últimos dados de mortes por agressão do sistema de saúde verificamos que 50% das vítimas de homicídio do sexo feminino no Brasil são mortas por parentes, dos quais 33% são os maridos ou companheiros. Sob este critério, é de se esperar que ao menos 2.200 mulheres tenham sido vítimas de feminicídios íntimos no ano passado.
O estado que apresentou a maior taxa de feminicídios foi o Mato Grosso, com 4,6 mortes para cada 100 mil mulheres, seguido do Acre, com taxa de 3,2, e do Espírito Santo, com taxa de 2,0. Mas como ressaltado, os registros de feminicídio ainda são precários e vale também observamos a taxa de mortalidade de todos os homicídios de mulheres nos estados. Sob esta análise, o cenário é ainda mais grave porque 14 dos 25 estados que enviaram dados apresentaram taxa superior à média nacional. O pior cenário registrado foi no Rio Grande do Norte, com 8,4 mortes para cada 100 mil mulheres, seguido do Acre, com taxa de 8,3, e na terceira posição Espírito Santo e Pará, com 6,7 mortes para cada 100 mil mulheres cada um.
O crescimento nos homicídios de mulheres preocupa e evidencia a incapacidade do Estado brasileiro, em suas diferentes esferas e poderes, de interromper a violência de gênero no país. Nesse contexto, o feminicídio coloca-se como tragédia anunciada, mas também como uma oportunidade de tirar o tema da invisibilidade. O feminicídio é o desfecho trágico de uma trajetória de dor, violência e sofrimento. Um crime cruel que afeta as mulheres de todas as idades e classes sociais pelo simples fato de serem mulheres. E que pode ser evitado.
Por isso, o dia 8 de março que se aproxima e todos os outros dias do ano deviam ser dias de luta e enfrentamento às pequenas violências cotidianas tão incorporadas em nossa sociedade: desde o menosprezo a capacidades das mulheres até as diferenças salariais, do assédio sexual no espaço público até o assédio moral no ambiente de trabalho, das pequenas violências simbólicas à violência física.
Deixemos para celebrar o dia em que nenhuma mulher for assassinada apenas por ser mulher.
Samira Bueno é diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Juliana Martins é pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública