No Brasil, o índice de desemprego entre mulheres fechou 2017 em 13,4%, totalizando 6,24 milhões de pessoas, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). As mais afetadas são as mais jovens e com baixa escolaridade.
Frente a essa realidade, três mulheres criaram projetos que dão novos horizontes de carreira e emprego a mulheres:
- Duilia de Mello é criadora da Associação “Mulher das Estrelas”, que leva palestras e o incentivo do ensino de ciências exatas a alunas de escolas públicas e particulares de todas as idades. Ela quer que mais meninas pensem em escolher carreiras consideradas masculinas pela maioria da sociedade e estimular a ambição nelas.
- Buh D’Angelo é dona do Infopreta, loja de conserto e manutenção de computadores. Ela somente emprega e dá cursos para mulheres negras em situação vulnerável. E doa computadores reformados para universitários que não tem condição de comprá-los.
- Emanuela Farias coordena a Organização Não-Governamental (ONG) “Mulheres Do Sul Global”, que emprega refugiadas no setor de corte e costura. Ideia que teve após perder o emprego e fazer uma viagem de voluntariado na Índia.
Conheça a história de cada uma delas:
Duilia de Mello, 54 anos, vice-reitora da Universidade Católica da América, nos EUA, e criadora da Associação “Mulher das Estrelas”
“A partir do momento que você faz uma coisa que você gosta, você inspira as pessoas”.
É nisso que acredita Duilia de Mello, de 54 anos, doutora em astrofísica, vice-reitora da Universidade Católica da América, localizada em Washington, nos EUA, e criadora da Associação “Mulher das Estrelas”, que leva palestras sobre astronomia e o incentivo do estudo de ciências exatas para estudantes de escolas públicas e particulares no Brasil, impactando mais de 10 mil alunos em dois anos.
A professora quer levar para as crianças e os adolescentes a mesma sensação de quando era menina e escolheu o ramo da astronomia para estudar.
“Eu era muito curiosa, queria fazer muitas perguntas e era boa aluna de matemática. Sempre quis saber mais sobre o universo”, conta.
Se a astronomia é vista hoje como uma carreira de prestígio, se lançar no estudo do tema no início dos anos 1980 era visto como um passo arriscado, afirma Duilia.
“Eu não tinha muito suporte das pessoas, porque não conheciam a carreira e até suspeitavam de alguém que fosse fazer algo assim tão fora do normal. Então eu fui tentar convencer a todos que poderia sobreviver como cientista”, relata.
Ela começou a sua carreira acadêmica em 1985, ao se graduar em astronomia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, a única da época a oferecer o curso. Fez mestrado no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) em 1988, em São José dos Campos, interior de São Paulo, doutorado na Universidade de São Paulo (USP) em 1995 e pós-doutorado em 1997.
Foi neste momento que ela fez a maior descoberta de sua carreira. Ao fazer pesquisa em um telescópio no Chile, ela observou uma estrela intrusa, que não deveria estar no mapa do céu que seguia.
Ao fazer uma análise química através do equipamento, descobriu que aquilo era uma supernova, uma estrela que explodiu há 56 milhões de anos, nunca antes identificada. Era a Supernova 1997D.
Em abril de 1997, ela recebeu um convite de trabalhar no instituto que cuida do telescópio Hubble, nos Estados Unidos, ligado à Universidade John Hopkins. Porém, não foi a descoberta da supernova que a levou até lá, e sim uma dificuldade financeira.
“O governo começou a cortar os financiamentos, não estava levando a ciência a sério. E eu achei que poderia fazer carreira fora do Brasil, porque eu tinha prometido para a minha mãe, lá quando ela me perguntou se eu poderia viver de astronomia, que eu ia conseguir”, conta.
Em 2002, ela se vinculou à Universidade Católica da América (CUA), localizada em Washington D. C., para trabalhar com pesquisas para a Agência Espacial Norte-Americana (Nasa) e dar aulas de astrofísica. Alcançou o cargo de vice-reitora em 2016. Algo que ainda não é comum de ver ainda nestes ambientes, comenta.
“O que você não encontra são as mulheres no poder, assim, professora-titular, chefe de laboratório. Esse é um dos motivos de eu ter virado vice-reitora, porque eu acho que se a mulher fica tímida com o poder, a gente não vai mudar nunca”, relata.
Duilia afirma que conversa com suas alunas sobre ocupar espaços de poder em suas áreas de atuação, algo essencial para mudar a realidade das mulheres no mercado de trabalho.
“Precisa ter um pouco de ambição. As mulheres se intimidam. Até porque você fica dando murro em ponta de faca o tempo inteiro. Mas se você tá com vontade de fazer aquilo, que seu gênero não seja a barreira. E aqui [nos EUA] eu tenho outro problema: eu também sou latina, não só mulher”, completa.
Em sua experiência de ensino, Duilia também percebeu que países do norte da Europa acabam com menos mulheres nas ciências do que países de língua latina do mesmo continente, mesmo com esforços de dar bolsas de estudo para mulheres, por exemplo.
“Na Alemanha, tem pouquíssimas mulheres. Na Inglaterra, na Suécia. Você tem a aparência que são países que estão se preocupando mais com isso. E meio que eles perderam o bonde ali”, diz.
Foi essa preocupação de o Brasil também não perder a oportunidade que a fez criar a associação “Mulher das Estrelas”. O projeto acontece desde 2016 e passou por 16 escolas, entre públicas e particulares.
“Eu procuro ser essa pessoa que vai ajudar. Tanto que o ‘Mulher das Estrelas’ é isso. É para dar a mão mesmo. Então eu vou onde tiver que ir”, conta.
Mas ela tem um cuidado maior em visitar locais que atendam alunos de baixa renda. “Eu gosto de ir nas comunidades mesmo. Eu acho que são eles que precisam escutar. Sou fruto do subúrbio carioca. Então eu gosto de chegar naquela área e contar: ‘gente, eu morava naquela rua’. E as crianças adoram ouvir isso, porque se identificam. Você ganha o dia”, conta.
Nas visitas, ela identifica a mesma curiosidade nos alunos que tinha quando pequena. “Um programa desses pode ser uma coisa altamente transformadora. Você vê os olhinhos deles nas fotos, a alegria deles de estar lá”, comemora.
Buh D’Angelo, 23 anos, dona da Infopreta, loja de consertos de computadores
“Andar de cabeça em pé é o que elas mais andam”.
É o que conta Buh D’Ângelo sobre as mulheres que aprenderam com a mão na massa um novo ofício. Ela, com 23 anos, é fundadora da Infopreta, loja de conserto de computadores localizada em Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo.
No local, só são empregadas mulheres negras, cisgênero ou transgênero, em situação de vulnerabilidade. “Ninguém olha para moradora de rua e elas não têm a oportunidade, que é o que mais falta para todo mundo”, conta.
Buh é formada em técnicos de eletrônica, automação industrial, manutenção de computadores e robótica. Sempre trabalhou na indústria.
“Eu tentei ir para a área de tecnologia. E como a indústria, a área de tecnologia é cheia de homens. A única diferença é que na indústria são homens negros, nordestinos e na tecnologia, um monte de homem branco, rico”, afirma.
Quando entrou na faculdade e precisou buscar um emprego, não foi chamada para nenhum. “Um colega meu foi chamado para 12 entrevistas, eu fui chamada para nenhuma. Foram, mais ou menos, 22 vagas [candidatadas]. Eu tinha experiência. Meu currículo era bem mais completo. Ele tinha só o primeiro semestre da faculdade. Eu falei: ‘bom, já que vocês não me querem, eu vou entrar à força'”, relata.
Da necessidade veio então a ideia de criar o empreendimento. Em um primeiro momento, pensou em consertar celulares. Mas desistiu ao perceber que precisaria de muito investimento. Foi aí que surgiu a ideia dos computadores. “Eu comecei a ir comprar peça, conseguir peça. E aí o público feminino começou a aderir ao que é a empresa”, conta.
No início, era só Buh e mais uma colaboradora, uma mulher transgênero. Ela ocupava uma sala do Mirante Lab, um espaço de criação voltado para tecnologia, no centro de São Paulo.
“Antigamente eu pegava e levava todas as máquinas no metrô e ia carregando até a minha casa, em Guarulhos. Tinha dia que eu saía com 20 máquinas. Eu conversei e eles: ‘ah, pode ficar uns dias’. Fiquei meses. Acabou a residência, expulsaram a gente. De lá tive que achar outra sala. A gente não tinha dinheiro no início”, conta.
Migraram para outra sala no centro de São Paulo. Fecharam o local neste ano, por conta de uma infestação de baratas. Ficaram somente com um espaço em Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo. “Todo dia é uma luta diferente para as pessoas respeitarem e entenderem. Aqui é uma casa rosa, né? Já acharam que era bordel, sabe, salão…”, conta.
Neste momento, são sete colaboradoras trabalhando no projeto. Elas recebem auxílio-alimentação e transporte enquanto realizam um curso de 8 meses de manutenção dos aparelhos. Também ganham a partir da própria produção: quanto mais consertam, mais levam no fim do mês. Elas podem ficar o tempo que quiserem no projeto.
O cuidado vai além do trabalho. A criadora do Infopreta dá toda o apoio psicológico que elas precisam ter ao encarar essa nova etapa da vida.
“Uma delas que trabalha aqui conseguiu sair de debaixo do viaduto e alugar uma casa. A gente sempre tenta dar o apoio e conversar. É muito complicado, porque primeiro: ninguém te ensina como é que é. Tem que ter um apoio, estar perto, é uma gama de questões”, conta.
Além dos empregos gerados, Buh tem um projeto de doação de notebooks usados para universitários que não têm condição de comprar um para seus estudos. A ideia surgiu bem no início do Infopreta, quando ela ganhava vários aparelhos antigos e não sabia o que fazer com eles.
“A gente faz todo um estudo do que ele precisa e monta a máquina. A gente atende o Brasil todo. Depois pede comprovante de matrícula e o boletim. Todo semestre tem que mandar o boletim, para a gente acompanhar as notas. Se tiver ruim, a gente está cobrando. Porque doar, todo mundo doa, agora cobrar…”, diz. Para quem quer dar um laptop, é só levar o aparelho até a sede do projeto e assinar um termo de doação.
Mesmo com todas essas iniciativas, Buh diz que não se vê como uma mulher inspiradora.
“Eu acho que inspiradora foi minha avó, minha mãe, minha bisa. Se eu for metade da mulher que essa mulherada foi, estou feita. Ainda falta muito para eu fazer “, ambiciona.
O projeto tem suas dificuldades, Buh garante. “Às vezes eu acordo e falo: ‘nossa, eu queria ter um emprego normal, recebendo salário todo mês, sabe?’”. Porém percebe a mudança profunda nas mulheres que impacta. E isso é o que mais importa.
“Eu acho que a primeira coisa que muda nas colaboradoras é isso: elas começam ter orgulho de quem são, de como são, e do que fazem”.
Emanuela Farias, 32 anos, coordenadora da ONG Mulheres do Sul Global
“Eu me vejo como uma fazedora”.
É como se define Emanuela Farias, coordenadora da ONG Mulheres do Sul Global, organização não-governamental do Rio de Janeiro que emprega refugiadas no setor de corte e costura.
Ela criou o projeto em março de 2017, ao entrar em contato com mulheres da República do Congo e de Angola que faziam parte do grupo de acolhida da Cáritas – RJ, uma organização católica vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
“Principalmente as africanas, de origem congolesa e angolana, pediam máquina de costura porque elas aprendem costura na escola no país delas e já vêm para o Brasil com essa sabedoria. Elas já são costureiras”, afirma.
O nome da ação vem do termo “Sul Global”, que compreende o conjunto de países em desenvolvimento, que têm sua história ligada ao colonialismo, neocolonialismo e enfrentam grandes desigualdades socioeconômicas.
A ideia veio após um período de autoconhecimento de Emanuela. Ela voltava de um ano sabático, realizado após ser demitida de um cargo de assistente executiva que ocupava havia 12 anos. Neste período, ela trabalhou como voluntária na Índia e entrou em contato com a questão da independência feminina, principalmente voltada ao tema de costura.
“Na Índia, eu fiquei muito sensibilizada com minha condição de mulher e com as costureiras, porque lá você vê uma indústria têxtil a céu aberto. Então eu fiquei: ‘nossa, quero mudar mesmo, quero fazer um trabalho com mulheres e costura’”, afirma.
O projeto começou com 9 mulheres. Atualmente são 4 atendidas: duas angolanas e duas congolesas. Emanuela explica que todas vieram ao país somente com os filhos, fugindo de ameaças e perseguições políticas.
“É muito difícil para elas se colocarem no mercado como costureiras, porque a condição de refugiada é muito precária. Para a mulher principalmente, porque tem uma coisa cultural: elas têm de 3 a 5 filhos. Então, normalmente quando elas vêm na condição de refugiadas, vêm só a mãe e os filhos. Não têm com quem deixar”, conta.
A solução foi fazer o grupo se encontrar duas vezes na semana, na casa mentora e profissional da moda Teresa Vituriano, que cede seu ateliê para ser a base do projeto. Nestes momentos, elas adquirem conhecimentos técnicos, como saber mexer em uma máquina industrial ou um novo tipo de corte, e levam os trabalhos da semana para serem desenvolvidos em casa.
“A gente pensou em uma capacitação já com o viés de venda. A refugiada não tem tempo de fazer um curso”, explica. Todas ganharam máquinas de costura, custeadas com o investimento pessoal de Emanuela e quantias captadas em prêmios ganhos pelo projeto.
Os produtos são vendidos em feiras itinerantes no Rio. Emanuela conta que estão estudando colocar as peças também em lojas colaborativas. Toda a renda é revertida para as refugiadas.
“É o único dinheiro que entra. Muito no curto prazo, eu queria oferecer para elas um valor fixo mensal. Empreendedorismo para elas é muito arrojado. Elas precisam saber que todo mês vão contar com um salário”, afirma.
E complementa: “A ideia é que a gente possa ter um fluxo mensal de vendas, e, em breve, ter um investidor anjo ou um edital ganho, para conseguir ter uma retaguarda financeira”.
Também com esse respiro, a jovem espera atender mais mulheres. Ela quer que a organização atenda acima de 20 refugiadas. “A ideia é que, à medida que o negócio vá amadurecendo, eu possa convidar outras nacionalidades que tenham essa cultura da costura no DNA”, explica.
Com essa experiência, Emanuela diz que se desconstruir através do voluntariado e empreendedorismo a fez ter uma nova perspectiva. “Eu fiz uma viagem transformadora que me ajudou a entender que eu tenho um potencial de poder colaborar com outras mulheres e, juntas, a gente pode fazer coisas”, afirma.
Ilustração do topo: Karina Almeida/G1