Desde que lançou seu primeiro disco, há 23 anos, Chico César, 54, preza pelo experimentalismo e pela inovação. No show “Preto Perto”, que traz a BH nesta quinta-feira (29), no encerramento do IMuNe – Instante da Música Negra (que também integra eixo temático sobre a língua portuguesa, promovido pelo Sesc Palladium), não é diferente. Voz e violão são suficientes para o paraibano de Catolé do Rocha apresentar inéditas e releituras com ênfase na proximidade com a plateia. O repertório é indefinido. Em entrevista ao Magazine, ele fala sobre o show, projetos e a situação do artista negro no Brasil.
Este show tem um formato mais intimista. É um desejo de relembrar o início da sua trajetória? O que te motivou?
Este show nasceu de um convite de Antonio Nóbrega para eu fazer uma coisa “voz e violão” no teatro dele, o Brincante, em São Paulo. Mas quis fazer algo mais elaborado cenicamente, e daí lembrei que tinha um show que fiz quando me despedi da Paraíba para vir morar no Sudeste. Era voz e violão, mas era ousado. Virou assim o “Preto Perto”, onde quis colocar mais canções de agora, porém também trago muitas músicas da minha fase antes de sair da Paraíba, mais experimentais, com harmonias mais intrincadas, coisas assim. É um show que não remete a discos. Há muitas coisas que nunca foram gravadas. E tem um componente grande de improvisação.
Então não há um repertório preparado?
Isso. Só se saberá o que é na hora mesmo. É um repertório que traz muita improvisação, não dá para adiantar nada.
Como tem sido a experiência de lidar novamente com seu público mais de perto?
Interessante. O público se surpreende, porque muita gente me conhece ainda como fazedor de canções, mas sou um artista que tem alma experimental, surgido no começo dos anos 80. Trago, agora, de volta esse espírito experimental para o centro do meu trabalho.
Este festival tem em seu nome a demarcação de um espaço político-artístico para artistas negros. Fale-me da importância de festivais como o IMuNe?
É bacana para celebrar identidades. Minas é um Estado com uma presença muito forte da população negra, e ela precisa demarcar seus territórios de expressão.
Ainda sobre esse assunto, de que forma observa o espaço das artes para os negros no Brasil?
Os artistas negros sempre tiveram espaço na música popular brasileira, como Wilson Simonal, Gilberto Gil, Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Jair Rodrigues. Agora, eu estou interessado em ver os negros no Ministério da Economia, na Presidência da República, no comando do Exército. Quero a população negra nesses centros de decisão, não que eu ache que seja desimportante ocupar os espaços artísticos e esportivos, mas isso a gente já faz há bastante tempo.
O senhor é um artista muito engajado nessas questões, como desigualdades sociais, já foi secretário de Cultura na Paraíba etc. Como analisa o cenário político atual em geral e, particularmente, o assassinato da vereadora Marielle Franco?
O Brasil vive o desmonte de sua democracia à medida que a presidente Dilma (Rousseff) sofreu um impeachment: ali começava-se um processo de golpe, não apenas contra ela, mas contra a democracia brasileira, e isso se radicaliza agora com as presença dos militares nessa orquestração que envolve mídia, parlamento e Judiciário, contra a democracia e contra o povo. A morte de Marielle tem um simbolismo doloroso muito forte: é contra o povo, mas é contra povo negro, é contra mulheres negras, é contra as mulheres negras e periféricas. Nós temos que celebrar a simbologia da Marielle e trazer isso para o centro das lutas. Torná-la o que ela já era em vida: um símbolo de existência e de uma luta fraterna por melhores dias.
Voltando a falar de música, quais são seus projetos atuais? O “Estado de Poesia” continua circulando o Brasil?
Quero continuar com ele, mas também com este show “Preto Perto”. Outro trabalho mais recente é a apresentação que faço com minha esposa, a atriz Bárbara Santos, que se chama “Camaradas”. Canto minhas canções que celebram o amor erótico e ela fala meus poemas do livro “Versos Pornográficos” (que estreou em fevereiro em São Paulo e ainda não tem data prevista para BH).
Outra atuação sua recente foi nas artes cênicas. O senhor ganhou na categoria música o prêmio Shell, ao lado de Beto Lemos e Alfredo Del Penho, pela montagem “Suassuna: O Auto do Reino do Sol”. Como foi o desenvolvimento desse projeto?
Fui convidado pela Sarau, uma agência do Rio, para compor as canções do espetáculo. Também fiz a direção musical com eles. O espetáculo ficou muito lindo e forte, com uma representação pungente da cultura brasileira, uma homenagem ao Ariano Suassuna, texto de Bráulio Tavares, um paraibano, a direção geral de Luiz Carlos Vasconcellos, também paraibano, o tema com um paraibano: então é uma celebração da “paraibidade” ou do Brasil profundo a partir de um olhar paraibano.
Quais seus vínculos com Minas Gerais?
Meu vínculo com Minas é Titane, é Tizumba. São essas pessoas que são meus parceiros desde os anos 90. Também vejo que o público tem uma admiração pelo meu trabalho, e principalmente o público negro, por uma certa irreverência e coragem que há no meu trabalho, e que, às vezes, beira a temeridade. Para a soul music mineira ganhar espaço demorou muito, mas, hoje, temos uma cena de hip-hop fortíssima, que envolve inclusive mulheres, e eu vejo, cada vez mais, o público empoderado com seus black powers, fazendo suas manifestações artísticas com maior liberdade.
Agenda
O QUÊ. Cantor Chico César no show “Preto Perto”, no encerramento do I Festival IMuNe
QUANDO. Quinta (29), às 21h
ONDE. Grande Teatro do Sesc Palladium (rua Rio de Janeiro, 1.046, centro)
QUANTO. Plateia I, II e III: R$ 30 (inteira), R$ 15 (meia) e R$ 12 (comerciário)
*Jornal O Tempo