A população atingida pelo rompimento da Barragem do Fundão, da Samarco, em Mariana, na Região Central de Minas Gerais, é afetada por transtornos relacionados ao estresse e registra prevalência de depressão cinco vezes superior à da população brasileira avaliada em 2015. O diagnóstico faz parte de um estudo elaborado pelo pelo Núcleo de Pesquisa e Vulnerabilidade em Saúde (Naves) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Cáritas Regional Minas Gerais divulgado nesta sexta-feira em Belo Horizonte.
O objetivo da Pesquisa sobre a Saúde Mental das Famílias Atingidas pelo Rompimento da Barragem do Fundão em Mariana (Prismma) foi avaliar a saúde das vítimas, com ênfase na saúde mental, especialmente transtornos, desordens ou sintomas que podem piorar com o estresse, como depressão, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de estresse pós-traumático, transtorno por uso de substâncias e comportamento suicida.
Para elaborar o estudo, em novembro do ano passado, a equipe convidou a responder questionários todas as pessoas com idades entre 10 e 90 anos que foram diretamente expostas à lama despejada pela barragem de rejeitos. Essas pessoas moravam ou tinham propriedades em Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo, Paracatu de Cima, Borba, Campinas, Pedras e Ponte do Gama na época do desastre que matou 19 pessoas, entre moradores e funcionários da mineradora.
Dos 479 indivíduos abordados, 225 adultos e 46 crianças e adolescentes até 17 anos aceitaram participar da pesquisa. O restante se recusou, alegou medo de assinar documentos ou tinha outra justificativa para não responderem às perguntas.
Os pesquisadores constataram prevalência de depressão em 28,9% da população atingida pelo desastre. “(…) essa prevalência é cinco vezes maior do que a descrita pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para a população brasileira avaliada em 2015. No Brasil, 5,8% da população sofria com esse transtorno, que afeta 11,5 milhões de brasileiros”, diz o levantamento da UFMG e da Cáritas Regional. O transtorno de ansiedade generalizada foi diagnosticado em 32% dos entrevistados, apontando para uma prevalência três vezes maior que a existente na população brasileira.
Pouco mais da metade dos entrevistados (53,8%) relatou sentir dores de cabeça e destes, 52,9% descreveram piora nos últimos dois anos. “Aproximadamente um terço da população (31,1%) mencionou sentir tonteiras e, desses, 62,9% pioraram nos últimos dois anos e 37,1% não se alteraram. A falta de ar esteve presente em 13,8% da população, com piora ocorrendo em 61,3% nos últimos dois anos, 35,5% não tiveram alterações e 3,2% não responderam. Da amostra, 35,1% sentiram palpitações; 63,3% manifestaram piora nos últimos dois anos (…)”, detalha a pesquisa.
Além da depressão e do transtorno de ansiedade generalizada, foram avaliados também o transtorno de estresse pós-traumático, o risco de suicídio e os transtornos relacionados ao uso de substâncias psicotrópicas, como álcool, tabaco, maconha, crack, cocaína. “Encontramos uma prevalência aumentada de transtornos psiquiátricos relacionados ao estresse na população atingida quando comparados aos dados descritos na literatura”, registra o estudo.
A dependência de álcool foi diagnosticada em 5,8% da população e a de tabaco em 20%, enquanto 0,9% foi considerado dependente de maconha e 0,4% dependente de cocaína ou crack. Já o risco de suicídio foi identificado em 16,4% dos entrevistados. Entre eles, estão pessoas que declararam desejo de morte, relataram ideias suicidas, afirmaram que planejaram se suicidar no último mês ou reconhecerem já ter tentado alguma vez colocar fim à própria vida.
Entre as crianças, o principal achado da pesquisa da UFMG foi a alta frequência de entrevistados que preencheram critérios para transtorno de estresse pós-traumático, superior a 82%. Nos adultos, este diagnóstico envolveu 12% dos atingidos. No recorte por sexo, notou-se que a prevalência nas mulheres, de 13,9%, foi superior em comparação com os homens, que ficou em 8,6%.