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Nesta sexta-feira (6), o paulista de 32 anos completa um ano detido na capital da Ucrânia acusado de ser terrorista. “Sou inocente de qualquer crime”, rebate Rafael numa das cartas escritas recentemente na prisão. Elas foram enviadas aos seus advogados, parentes e amigos no Brasil.
Nos manuscritos, Rafael admite que, entre setembro de 2014 a outubro de 2015, lutou contra o exército ucraniano ao lado das tropas militares rebeldes que queriam a independência política de dois territórios do país. Pretendiam criar a República Popular de Donetsk (RPD) e a República Popular de Lugansk (RPL).
Pela lei ucraniana, no entanto, isso caracteriza terrorismo e Rafael foi acusado pela polícia local de ser “mercenário” e “assassino profissional”.
Com o cessar fogo no país europeu, o conflito acabou. Rafael voltou a Jundiaí, no interior de São Paulo, onde nasceu e mora sua família. Mas como não conseguiu emprego, aceitou proposta de trabalho como segurança de navios ucranianos no Chipre, país no leste do Mar Mediterrâneo. Porém, ao desembarcar no Aeroporto Internacional de Kiev-Borispol, na Ucrânia, foi preso pelo serviço secreto ucraniano.
Rafael considerou que sua prisão foi uma emboscada. “Me enganaram com uma proposta de serviço naval”, escreve Rafael numa das cartas.
Condenação
Em 25 de janeiro deste ano, Rafael foi condenado pelo Tribunal do Distrito Petcherski por ações terroristas. Seus advogados recorreram da decisão alegando ter ocorrido irregularidades durante o processo. O Tribunal de Apelação de Kiev concordou e decidiu anular a sentença em 17 de agosto.
Três juízes entenderam que a condenação foi “ilegítima e infundamentada”, conforme tradução do ucraniano para o português (veja abaixo). Reconheceram violações, como, por exemplo, ausência de tradutor para a língua portuguesa, falta de comunicação da detenção do réu aos seus parentes e até suspeitas de maus tratos contra ele.
Nas cartas, Rafael revelou ter sofrido tortura na prisão:
Fisicamente torturado, forçado a fazer declarações falsas contra minha vontade, julgado rapidamente e sentenciado.
Os magistrados determinaram ainda que o brasileiro fosse submetido a exame médico urgente e isolado dos demais presos como medida de segurança.
“Entramos com apelação porque Rafael teve os direitos de defesa violados, como, por exemplo, ausência de intérprete, indícios de que sofreu maus tratos e tortura para confessar crimes que não cometeu e sequer foi informado sobre a totalidade dessas acusações”, disse o advogado Daniel Eduardo Cândido.
O brasileiro atua na defesa jurídica de Rafael juntamente com o advogado ucraniano Rybin Valentin Vladimirovitch. Para eles, o paulista tem de ganhar a liberdade caso o novo julgamento não ocorra no prazo estabelecido pela Justiça ucraniana. “É o que vamos pleitear”, afirmou Daniel.
“O fato de ele ter abandonado voluntariamente as tropas separatistas configura, até pelas leis ucranianas, que teria de ser anistiado e libertado”, concluiu o advogado brasileiro.
Cartas
Veja abaixo alguns dos comentários que Rafael fez nas cartas sobre estar preso na Ucrânia:
Dentro da lei, às vezes me animo com a previsão de liberdade
Meu futuro é sombrio
O fim é um só: cadeia. Depois esquecimento, e depois a noite eterna
Já tremi e quase chorei
Por causa da prisão de Rafael, algumas pessoas criararam páginas no Facebook pedindo a libertação dele.
Em 14 de outubro de 2016, o Itamaraty divulgou nota informando que “o serviço consular do Brasil entrou em contato com Rafael e ele estava bem”, sem sinais de que tenha sido maltratado na cadeia.
Nas cartas, Rafael critica algumas autoridades brasileiras, as acusando de abandoná-lo em Kiev:
Estou completamente abandonado em um país estranho e hostil
Prisão no Brasil
Essa não é a primeira vez que Rafael é mantido preso na cadeia. Em 12 de junho de 2014, ele ficou conhecido publicamente ao ser detido no protesto contra a Copa do Mundo na capital de São Paulo. Naquela ocasião, enfrentou a Polícia Militar (PM) sem camisa e levou tiros de bala de borracha. Aparece ainda em vídeo sendo contido por diversos policiais e levando um jato de spray de pimenta no rosto.
Acusado de ser adepto da tática black bloc (que consiste em destruir patrimônios públicos para protestar), Rafael ficou 45 dias preso. A Justiça de São Paulo, no entanto, o absolveu das acusações de incitação ao crime, associação criminosa, resistência, desobediência e porte de material explosivo.
Depois de solto, em setembro de 2014, Rafael viajou à Ucrânia. Ele foi o primeiro brasileiro a se alinhar às tropas separatistas. Outros 12 brasileiros seguiriam depois. Enquanto esteve combatendo nas forças separatistas, chegou a ser ferido.
Desde o início da guerra na Ucrânia, em abril de 2014, a Organização das Nações Unidas (ONU) registrou 9.640 mortos e 22.431 feridos entre membros das Forças Ucranianas, civis e de grupos armados. A Ucrânia e outros países do Ocidente acusam a Rússia de enviar tropas e apoio aos rebeldes, o que o presidente russo, Vladimir Putin, sempre negou.
Perfil
Mais velho de quatro irmãos nascidos numa família de origem húngara e de classe média, Rafael é jundiaiense. A mãe professora é separada do pai, empresário em Minas Gerais. Na adolescência, ele fez curso de técnico de agronomia.
Aos 18, Rafael se alistou na Legião Estrangeira, na França, onde serviu por três anos. Na volta ao Brasil, foi soldado da Polícia Militar de São Paulo, entre 2006 e 2007. Depois tentou a carreira de oficial na PM no Pará, mas abandonou em 2009.
Em 2010, ele seguiu para a Rússia para estudar medicina. Tentou entrar para o exército russo, mas não conseguiu e voltou à América do Sul. Afirmou ter entrado no território colombiano, onde ingressou nas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc)
Descontente, retornou ao Brasil. Começou a dar aulas de inglês e trabalhar numa empresa de informática em Indaiatuba, interior paulista. Mas após ter sido preso pela PM em junho de 2014 durante os atos anti-Copa, perdeu os empregos.
- Fonte: G1