Deutsche Welle
Morar no exterior parece ser o desejo de grande parte dos brasileiros atualmente. Segundo sondagem do Datafolha publicada neste mês, 62% dos brasileiros entre 16 e 24 anos gostariam de sair do país. Não há dados precisos, porém, sobre a quantidade de pessoas que de fato deixaram o Brasil nos últimos anos.
As cifras mais atuais vêm do Relatório Internacional de Migração do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da Secretaria das Nações Unidas (Desa), que aponta que 1,6 milhão de brasileiros viviam no exterior na primeira metade de 2017, um aumento de 3,5% em relação a 2015. Desses, a maioria buscou se fixar em países da Europa, onde residiam no ano passado cerca de 635 mil imigrantes brasileiros.
O principal país de destino, no entanto, continua sendo os Estados Unidos, com 367 mil brasileiros (22%), mantendo assim uma liderança de mais de década. O segundo lugar é ocupado pelo Japão, com 206.976 (12,8%); seguido de Portugal, com 136.631 (8,4%); Itália, com 106.040 (6,5%); e Espanha, com 100.128 (6,2%).
Os números, no entanto, destoam drasticamente das estatísticas mais atuais do Ministério das Relações Exteriores (MRE). Em 2016, por exemplo, o órgão falava em mais de 3 milhões de brasileiros vivendo no exterior, por volta de o dobro do estimado pelo Desa, sendo que 750 mil estariam na Europa.
Tal inconsistência nos dados é observada há anos. Estimativas do Instituto brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – com base no último censo, de 2010 – apontavam apenas 491 mil brasileiros morando fora. Na época, a ONU falava em 1,5 milhão, enquanto o MRE dizia serem 3,1 milhões (2011).
A discrepância pode ser atribuída a inúmeras razões. Uma delas é o método utilizado. O Censo de 2010, por exemplo, tentou determinar o tamanho da população brasileira vivendo fora ao incluir, na pesquisa feita nos domicílios, uma pergunta que verificava se alguém que antes morava naquela residência se mudou para outro país.
O Itamaraty, por outro lado, não tem controle da quantidade de brasileiros que, após entrarem em determinado país, de fato permanecem no exterior. De acordo com a assessoria de imprensa do órgão, os números apresentados são apenas estimativas com base na atuação consular, e não se tratam, portanto, de um recenseamento.
A Desa, da ONU, se baseou em dados estatísticas nacionais, registros populacionais e pesquisas nacionais representativas sobre o número e a composição dos migrantes em cada país para calcular a dimensão da migração internacional. Por definição, o órgão considera migrante aquele que vive em um país diferente do seu país de nascimento.
Estimativa “exagerada”
Para a antropóloga americana Maxine Margolis, professora emérita da Universidade de Flórida e autora do livro Goodbye, Brazil: Emigrantes Brasileiros no Mundo (2013), as cifras do MRE são um “exagero”.
“Ninguém tem números precisos de quantos brasileiros saem e quantos retornam”, afirma Margolis, que acredita que os consulados inflam os números para angariar mais recursos do governo.
Outra explicação para a discrepância nos números seria o fato de que muitos brasileiros vivem no exterior de forma ilegal, relutando, portanto, em informar seus status às autoridades.
“Números precisos são, com certeza, difíceis de obter, em especial em países como os Estados Unidos, onde muitos brasileiros – uma estimativa de 63% em 2007 – são residentes ilegais. Até 2009, o Brasil estava entre os dez países que mais enviaram migrantes não autorizados para os EUA”, escreveu Margolis em seu livro.
Falta de segurança impulsiona emigração
Uma mudança no padrão dos emigrantes brasileiros foi observada nos últimos anos. Enquanto no passado a maioria emigrava por fatores econômicos, hoje se pode perceber um maior número de pessoas que saíram do país por questões de segurança, diz Margolis, que estuda o tema há mais de 20 anos.
“Em geral, os brasileiros diziam que podiam ganhar em uma semana [no exterior] o que eles ganhavam em quatro semanas no Brasil. Só que isso mudou. Nos últimos seis anos, o que se fala muito é que eles saíram do Brasil por causa da falta de segurança, dos crimes, dos roubos”, afirmou a pesquisadora em entrevista à DW Brasil.
Segundo a antropóloga, a vontade de deixar o país já tem se traduzido inclusive em pedidos de refúgio. Ela relata, por exemplo, que recentemente foi convocada para servir de intérprete no caso de três brasileiras que haviam sido detidas no Texas, na fronteira com o México, na tentativa de entrar nos Estados Unidos. Segundo a professora, elas pediram refúgio ao governo americano sob alegação de estarem sendo perseguidas por agiotas no Brasil.
Margolis conta também que houve uma mudança no destino dos brasileiros que emigram, sobretudo após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 em Nova York, que dificultaram a concessão de vistos para os Estados Unidos. Atualmente, apesar de o país continuar sendo o destino de preferência dos brasileiros, muitos acabam optando por tentar a vida em países europeus, como Portugal e Espanha.
“Em Portugal, há profissionais brasileiros trabalhando com salários bem altos e em áreas de tecnologia, por exemplo, porque lá se fala português”, disse a antropóloga. “Mas nos EUA, a grande maioria faz trabalhos de menor qualificação, trabalha em restaurantes, lavando pratos. Há também um grande número de mulheres brasileiras que trabalham como faxineiras em residências particulares.”