G1
O presidente da Venezuela, Nicolas Maduro, anunciou na segunda-feira que os preços da gasolina devem subir, para coibir a atuação de contrabandistas que, segundo ele, fraudam o país em bilhões de dólares. Até então, o combustível venezuelano era o mais barato do mundo, resultado de uma pesada política de subsídios.
Para analistas, a medida é, principalmente, uma investida para aumentar as receitas públicas em meio a uma crise econômica sem precedentes que tem atingido duramente as finanças do governo e a população.
Em seu anúncio, Maduro disse, porém, que “a gasolina deve ser vendida a preços internacionais para impedir o contrabando para a Colômbia e o Caribe”. E argumentou, ainda, que nem todos os venezuelanos serão atingidos.
Quem vai pagar mais caro?
De acordo com o presidente, “apenas os que não atenderem ao chamado do governo” para registrar seus veículos terão que pagar combustível a preços internacionais.
Todos os que possuem o chamado “carnê da pátria”, uma espécie de documento de identidade emitida pelo governo desde 2017, continuarão, segundo ele, a receber “subsídios diretos” por “cerca de dois anos”.
O governo tem convocado os cidadãos para registrarem seus veículos mostrando esse documento.
Muitos venezuelanos que se opõem ao governo, no entanto, se recusaram a receber esse “carnê”, alegando que o meio é usado por autoridades para vigiá-los.
A expectativa, portanto, é que o aumento de preços atinja principalmente os opositores de Maduro.
Qual é o preço da gasolina na Venezuela hoje?
A economia da Venezuela enfrenta grave crise, com o Fundo Monetário Internacional (FMI) prevendo que as taxas de inflação alcançarão um milhão por cento neste ano.
Apesar disso, o preço do combustível quase não mudou.
O preço de um litro de gasolina na Venezuela atualmente é de 1 bolivar. No mercado negro, os venezuelanos pagam mais de 4 milhões de bolívares por um dólar americano.
Isso significa que, com o equivalente a um dólar, os venezuelanos podem encher o tanque de um carro de tamanho médio cerca de 720 vezes.
A gasolina de maior octanagem – ou seja, de maior resistência à pressão que sofre dentro da câmara de combustão do motor – custa, na Venezuela, 6 bolívares por litro, o equivalente, de acordo com a taxa de câmbio no mercado paralelo, à quantia ínfima de US$ 0,000001.
Como vai funcionar o novo sistema?
Maduro disse que anunciaria nos próximos dias mais detalhes sobre como o novo sistema de subsídios à gasolina vai funcionar. Espera-se que ele entre em vigor no dia 20 de agosto.
“Vamos fazer um sistema de subsídio direto progressivo, um plano de dois anos (…)”, afirmou ele no discurso transmitido ao país a partir do Palácio de Miraflores, a sede da presidência, ao anunciar as novas regras.
“Eu aspiro que, ao longo desse período, no máximo, tenhamos resolvido a deformidade que se criou no transcurso de muitos anos, quando a gasolina venezuelana era praticamente de graça”, acrescentou.
Que efeitos são esperados sobre o contrabando?
O contrabando do combustível subsidiado da Venezuela para os países vizinhos, onde os preços são muito mais altos, é um grande negócio.
A Venezuela perde US$ 18 bilhões para abastecer o contrabando anualmente, segundo dados do governo. E o presidente Maduro afirma que a adaptação dos preços dos combustíveis venezuelanos aos níveis internacionais acabará com a prática.
O governo considera improvável que contrabandistas que possuem o “carnê da pátria” ou que se candidatem para obter um deles ainda consigam comprar combustível a preços mínimos e vendê-lo com um lucro enorme na Colômbia e em outros países.
Embora não tenham sido anunciados limites para a quantidade de gasolina que cada pessoa pode comprar usando o carnê, alguns políticos da oposição temem que a medida seja usada, na verdade, como forma de introduzir um racionamento do combustível no país.
O que é o ‘carnê da pátria’ e por que ele é criticado?
Nicolas Maduro lançou o novo cartão de identidade venezuelano em janeiro de 2017 argumentando que ele serviria para tornar os programas sociais de seu governo mais eficazes.
A nova identidade – que é um cartão com um código QR que identifica os cidadãos que recebem algum tipo de ajuda social do governo – pode ser obtida de forma gratuita e voluntária por qualquer pessoa com mais de 15 anos, mas quem se candidata precisa responder a uma série de perguntas sobre seu status socioeconômico e quais benefícios está recebendo, se for o caso.
De acordo com dados do governo, até janeiro de 2018, 16,5 milhões de venezuelanos, de um total de 31,5 milhões de cidadãos, haviam solicitado o cartão.
Somente quem o possui pode se inscrever para receber pacotes de alimentos subsidiados e outros benefícios do Estado.
Críticos do governo se opuseram, desde o início, à introdução desse meio de identificação.
Eles argumentam que ele é desnecessário, uma vez que os venezuelanos já possuíam carteiras de identidade emitidas pelo governo, e o avaliam como uma maneira de limitar a entrega de benefícios do Estado aos apoiadores de Maduro.
Outro temor que apontam é o de que o governo use a identificação para coletar informações sobre os cidadãos.
Por que o aumento dos preços dos combustíveis são tão controversos?
Os venezuelanos são muito dependentes dos carros. Não é incomum as famílias terem vários veículos e dirigirem longas distâncias para o trabalho.
O transporte público, por sua vez, é deficiente e piorou nos últimos anos. Com falta de manutenção, os ônibus hoje não conseguem atender toda a parcela da população que precisa deles.
Os venezuelanos se queixam de ter que fazer fila para entrar em caminhões usados anteriormente para transportar gado. Muitos passam horas se deslocando para ir e voltar do trabalho.
Um aumento no preço do combustível não afetaria apenas aqueles que dirigem seus próprios carros, já que as empresas que operam rotas de ônibus provavelmente repassariam o aumento para os passageiros.
Os reajustes têm sido pouco frequentes desde 1989, quando um aumento aplicado – em meio a outras medidas de austeridade – provocou grandes protestos em Caracas e nos arredores.
O presidente da época enviou tropas às ruas para acabar com as manifestações, e centenas de pessoas foram mortas.
O incidente, conhecido como “Caracazo”, assombra os venezuelanos desde então.
O petróleo tem a ver com a crise econômica da Venezuela?
A Venezuela é rica em petróleo. Possui as maiores reservas de petróleo comprovadas do mundo. Mas é exatamente essa riqueza que também está na raiz de muitos dos seus problemas econômicos.
As receitas de petróleo da Venezuela respondem por cerca de 95% de seus ganhos com exportações. Isso significa que, quando os preços do petróleo estavam altos, muito dinheiro estava sendo despejado nos cofres do governo venezuelano.
Quando o presidente Hugo Chávez esteve no poder, de fevereiro de 1999 até sua morte, em março de 2013, ele usou parte desses recursos para financiar programas sociais generosos para reduzir a desigualdade e a pobreza.
Mas, quando os preços do petróleo caíram drasticamente em 2014, o governo se deparou com um rombo em suas finanças, de uma hora para outra, e teve que cortar alguns de seus programas mais populares.
De olho na recuperação
O novo sistema de subsídios à gasolina no país faz parte do chamado Programa de Recuperação Econômica, Crescimento e Prosperidade da Venezuela, com o qual Maduro disse que o país derrotará a “guerra econômica que vem sofrendo nos últimos anos” – em referência à grave crise que o país enfrenta e ao processo de aumento descontrolado de preços que deixou o Estado em uma situação econômica precária e atingiu duramente a população.
O plano inclui medidas como a entrada em vigor de uma nova moeda e um novo cone monetário (conjunto de notas e moedas) a partir de 20 de agosto, com a qual Maduro espera alcançar “estabilidade” de preços em uma economia mergulhada numa hiperinflação única no mundo.
O analista venezuelano Luis Vicente Leon avaliou a medida como “previsível”. “Na verdade, é um aumento geral no preço da gasolina (na realidade, necessário) com um discurso de subsídio focado naqueles que têm duas coisas raras: o carnê da pátria e um carro. É populismo discriminatório”, escreveu ele no Twitter.
Para Leon, o objetivo da medida anunciada por Maduro é principalmente aumentar as receitas do Estado, e a questão de manter os subsídios através do carnê da pátria é “um discurso para reduzir o custo político da medida”. “Mas sua penetração será claramente minoritária”, acrescentou.
Não por acaso, a questão do preço da gasolina vinha recebendo um tratamento politicamente delicado, pela memória do “Caracazo”, a onda de protestos contra o alto custo de vida duramente reprimida em 1989 e que teve como um dos seus gatilhos justamente o aumento do preço da gasolina.
O país sulamericano é, de acordo com o observatório Global Petrol Prices, onde se vende a gasolina mais barato do mundo.
Asdrubal Oliveros, da assessoria econômico Econalítica, estima em cerca de US$ 5,5 bilhões o custo anual da política de subsídio universal e total vigente até agora na Venezuela.