Hoje em Dia
“Qualquer canção mudava significativamente em sua voz e a estampa que ela impunha quase sempre era definitiva”. A observação de Rodrigo Merheb, jornalista e autor do livro “O Som da Revolução”, não poderia dizer sobre outra pessoa que não fosse Aretha Franklin, cantora que faleceu aos 76 anos na última quinta-feira, em Detroit, nos Estados Unidos, perdendo a batalha para o câncer.
Com essa partida, a música popular perde uma voz que amplificou mensagens muito além das grandes canções que interpretou –não foram poucas. Não à toa, a consagração definitiva veio aos 25 anos, quando deu um significado revolucionário a uma canção já gravada por Otis Redding. Com “Respect” nascia também o ícone feminista, já que sua gravação alterava completamente o sentido original da música– que dizia de um marido reclamão e acomodado no lar. “A música virou uma antena de várias minorias, o que fazia total sentido, já que era cantada por uma mulher, que além de tudo era negra. Isso aliado a um talento inigualável como interprete”, diz Merheb.
Para além das questões puramente musicais, Aretha também se consolidou como uma figura de importância política e social. “Ela foi uma voz dominante em um momento de muita turbulência política, por conta do movimento dos direitos civis que buscavam a emancipação e protagonismo que a comunidade negra tanto almejava. Sua música foi uma das ferramentas mais decisivas nesse processo”, afirma o jornalista.
Em um momento em que o racismo e o feminismo se tornam temáticas cada vez mais discutidas, a contribuição de Aretha reverbera ainda mais nos dias de hoje. “Ela se assumiu como uma voz negra e feminina quando havia riscos envolvidos nessa decisão. Aretha cantou na primeira pessoa sobre machismo, opressão, sexualidade, compreensão e respeito. Há vários momentos em sua obra que essa identidade individual se mistura a identidade coletiva de maneira que o ouvinte se reconhece nas angústias pessoais e na luta política como se fosse uma unidade indissociável”, diz Merheb.
Rainha do Soul
Embora não tenha sido a criadora do estilo que, Merheb explica, carregava as características da música gospel norte-americana, mas a expandia para temáticas que iam além da igreja, Aretha foi uma voz fundamental para a popularização do gênero, através de hinos como “Think”, “Chain Of Fools” e “(You Make Me Feel) Like a Natural Woman”, entre muitas outras. “Como cantora, dentro do espírito que dominava os anos 60, ela estava sempre inovando e testando seus limites”, ressalta Merheb, que chama atenção ao discos gravados por ela entre 1967 e 1972. “Essa sequência, gravada para a Atlantic Records com o produtor Jerry Wexler, são indispensáveis tanto para o ouvinte casual como para quem busca entender a música pop como fenômeno social”, diz.