A deficiência física desafiou a servidora pública Laura Martins, 53 anos, desde a infância. Aos 5 anos, teve uma inflamação na medula e passou a usar uma órtese – aparelho ortopédico externo – e, depois, uma cadeira de rodas. A cadeirante conta que aprendeu a conquistar a autonomia e a realizar o sonho de viajar, inclusive sozinha. Para inspirar outras pessoas com deficiência, decidiu compartilhar as dificuldades e facilidades numa espécie de diário de viagens.
“Sou apaixonada por viajar e são muitas as dificuldades. Por isso, seria um desperdício muito grande essa experiência ficar somente comigo”, conta Laura, que é graduada em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e trabalha como revisora. Todo o conhecimento adquirido vai sendo registrado nas redes sociais e em um blog para ser acessível – assim como gostaria que o mundo fosse.
Pular ondas, passeio de jangada e mergulho estão na conta de uma turista animada, que coleciona histórias para além de Belo Horizonte, seguindo pelo litoral brasileiro e por países da Europa. Ela diz que a dica é se conhecer bem para compreender os limites e que, às vezes, o desafio pode estar do outro lado da rua.
“Não gosto de falar minha idade, nem quantos países que visitei porque quero ser exemplo de que uma pessoa com deficiência pode viajar independentemente da idade e pode chegar a qualquer lugar, do sacolão ou da banca de revista até outro país”, disse Laura Martins.
“Valorizo tudo que consigo fazer, tanto aqui como na Europa. Quero dizer que qualquer pessoa pode. Quero ser a Laura que tem 5 ou 80 anos, pobre ou rica. O importante é a pessoa construir a autonomia pra se sentir segura, sabendo até onde consegue ir”, acrescentou.
Laura Martins dirigindo uma scooter Newcastle upon Tyne, na Inglaterra durante intercâmbio. — Foto: Laura Martins/Arquivo pessoal
Laura conta que viaja sozinha há mais de 20 anos, mas também não dispensa companhias. Uma das primeiras experiências foi para um congresso, ainda com o aparelho ortopédico e muleta. Mais recentemente, há cerca de três anos, um intercâmbio para estudar inglês também foi propulsor de conquistas. Teve a oportunidade de percorrer cidades históricas na Inglaterra, preparadas para receber deficientes.
‘Tudo leve’, fica a dica
Antes de cada partida, é preciso planejamento. “Escolho um tipo de mala mais leve, daquele que vou dando um toquezinho com a cadeira de rodas e a bagagem vai indo. A mochila também tem que ser leve, porque se não a cadeira cai pra trás. E já caí”, conta. Outra dica, é levar medicação na bagagem de mão, para não ser surpreendido com extravios. A roupa certa também vai ajudar.
“Qualquer pesinho a mais faz diferença pra gente, então levo uma blusa leve, meia leve, de tecidos tecnológicos, que vão proteger do calor ou frio. De modo geral, os cadeirantes têm problemas com controle térmico”, disse.
Há também soluções inventadas pelo setor de moda inclusiva, mas nem sempre são baratas. “Um tecido que não fere a pele, roupas com aberturas que permitem ser vestir sozinho”.
Laura também diz que funciona bem seguir a orientação de uma nutricionista para se alimentar com o que vai dar energia.
Entrada em jangada em Porto de Galinhas — Foto: Laura Martins/Arquivo pessoal
Outro ponto importante, segundo ela, é buscar informações em sites oficiais de turismo, em aplicativos onde deficientes compartilham experiências, procurar hotéis que ofereçam traslado acessível e viajar sabendo se há rede de saúde pronta para atender quem tem necessidades especiais.
Do roteiro que já fez, lista o mais e o menos acessível: Toledo, na Espanha, e Ouro Preto, cidade mineira considerada patrimônio mundial.
“Cheguei no quiosque em Toledo pedindo informação de qual monumento era acessível e recebi um mapa impresso com um roteiro inteiro para cadeirantes. Incrível. Ouro Preto, na minha opinião, foi o menos acessível”, disse.
Saindo da Região Central de Minas e seguindo para o Rio de Janeiro, também no Sudeste, e para Pernambuco, no Nordeste, a servidora encontrou ONGs que fazem um trabalho gratuito, proporcionando aventuras no mar.
Assumir a cadeia em tempo integral foi uma decisão dos últimos oito anos, para evitar lesões recorrentes com o uso da órtese e para não sobrecarregar os tendões. Laura não consegue sustentar o peso do corpo e tem movimentos restritos em uma das pernas.
Cadeirante Laura Martins entrando no mar de Copacabana, no Rio de Janeiro, com a ajuda de voluntários da ONG Praia para Todos — Foto: Arquivo pessoal/Laura Martins
Sem bullying
Laura conta que frequentou a escola e passou por dificuldades com a estrutura, mas não emocionais.
“Nunca sofri bullying, as crianças me aceitavam muito bem. Meus pais nunca me trataram de uma forma diferenciada. Ao arrumar casa, por exemplo, sobrava pra mim passar a cera”, conta.
Laura explica que a tarefa doméstica estava dentro da capacidade motora dela e era executada sentada no chão. A habilidade de se assentar foi devolvida com a fisioterapia e permitiu, por exemplo, que brincasse de carrinho de rolimã. “Não achava que era pior que os outros. Era até mais atrevida”, constata.
Segundo a servidora, é claro, que na adolescência vieram os conflitos. “Com o tempo, fui entendendo a situação. Tinha um carro biblioteca e, aos 16 anos, já tinha lido todos os livros de psicologia. Como não tinha dinheiro para terapia, isso me ajudou. Consegui ter uma vida normal”, relembra.
O ingresso no serviço público ocorreu perto dos 20 anos. “Era a única forma de conseguir emprego, porque naquela época ninguém empregava deficiente”, problematiza. Atualmente, quase se aposentando, ainda investe para deixar a casa mais acessível, sobretudo porque artigos de acessibilidade ainda custam caro.
“É tudo muito caro. Vai um terço para casa, um terço para viagem e um terço para equipamento”, diz com bom humor. “Não quis me casar e ter filhos. Namoro, mas o desejo da maternidade não bateu”, revela.
Laura Martins, na infância, ao lado de dois dos irmãos — Foto: Arqruivo pessoal/Laura Martins