A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai apresentar pedido de imediata soltura hoje, após o novo entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a prisão após segunda instância. A Corte decidiu na noite de ontem, que o cumprimento da pena deverá ocorrer somente após todos os recursos serem julgados, o chamado trânsito em julgado. Enquanto os advogados do petista se apressam, integrantes da força-tarefa da Lava-Jato a decisão do STF “está em dissonância com o sentimento de repúdio à impunidade”. Ex-ministro e ex-presidente do Supremo, Carlos Veloso lamentou a decisão.
“Após conversa com Lula levaremos ao juízo da execução um pedido para que haja sua imediata soltura com base no resultado desse julgamento do STF, além de reiterarmos o pedido para que a Suprema Corte julgue os habeas corpus que objetivam a declaração da nulidade de todo o processo que o levou à prisão em virtude da suspeição do ex-juiz Sergio Moro e dos procuradores da Lava-Jato, dentre inúmeras outras ilegalidades”, afirma, em nota, os advogados Cristiano Zanin Martins e Valeska Martins, defensores do petista.
A defesa ressalta que o novo entendimento da Corte “reforça que o ex-presidente Lula está preso há 579 dias injustamente e de forma incompatível com a lei”. “Lula não praticou qualquer ato ilícito e é vítima de ‘lawfare’, que, no caso do ex-presidente, consiste no uso estratégico do Direito para fins de perseguição política”, conclui a defesa. Petistas comemoraram a decisão. Pouco depois do STF proibir a prisão antes do trânsito em julgado, na noite de ontem, o perfil oficial do ex-presidente Lula no Twitter comemorou a decisão com a hashtag #lulalivreamanhã. Em Belo Horizonte, dezenas de militantes se reuniram em bar no Bairro Santa Teresa, com bandeiras e camisetas, para comemorar o julgamento do STF.
Mas para a força-tarefa da Lava-Jato, a decisão do STF prejudica o combate da corrupção. Em uma nota publicada logo após o julgamento, a força-tarefa declarou que a decisão favorece a impunidade. “A decisão do Supremo deve ser respeitada, mas como todo ato judicial pode ser objeto de debate e discussão. Para além dos sólidos argumentos expostos pelos cinco ministros vencidos na tese, a decisão de reversão da possibilidade de prisão em segunda instância está em dissonância com o sentimento de repúdio à impunidade e com o combate à corrupção, prioridades do país”, diz um trecho do texto.
Para os procuradores da Lava-Jato, a grande quantidade de recursos possíveis no sistema jurídico brasileiro resulta, inclusive, na prescrição de crimes. “A existência de quatro instâncias de julgamento, peculiar ao Brasil, associada ao número excessivo de recursos que chegam a superar uma centena em alguns casos criminais, resulta em demora e prescrição, acarretando impunidade. Reconhecendo que a decisão impactará os resultados de seu trabalho, a força-tarefa expressa seu compromisso de seguir buscando justiça nos casos em que atua”, conclui a nota.
Opiniões divididas Para o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, “a decisão do STF reafirma que não pode haver justiça, não pode haver democracia, se forem relativizados ou desrespeitados os direitos fundamentais estabelecidos na Constituição. O direito de defesa e a presunção de inocência de cada cidadã e cidadão saem fortalecidos desse julgamento”. Mas para o presidente da Associação Nacional do Ministério Público (Conamp), Victor Hugo Azevedo, o STF tomou a decisão equivocada ao reverter a atual jurisprudência que autoriza o início da execução da pena após condenação em 2ª instância. “Lamento a decisão do STF e reafirmo a preocupação do Ministério Público brasileiro com o provável retrocesso jurídico, que dificulta a repressão a crimes, favorecendo a prescrição de delitos graves, gerando impunidade e instabilidade jurídica”, afirmou Victor Hugo.
Especialistas ouvidos pelo Estado de Minas expressaram opiniões diferentes a respeito da decisão do STF. Para a advogada Vera Chemin, mestre em administração pública e pesquisadora do direito constitucional, o resultado do julgamento representa um retrocesso que pode trazer prejuízos até mesmo econômicos ao país. “Eu considero que essa decisão, infelizmente, equivale a um retrocesso do ponto de vista jurídico, do ponto de vista político e também do ponto de vista da imagem do Brasil diante dos demais países que há muito tempo adotam o costume de prender o réu inclusive depois da primeira instância”, disse.
“Essa decisão, além de tudo, provoca insegurança jurídica a partir do momento que o Supremo mudou sua jurisprudência muito rapidamente, ou seja, em um espaço de apenas três anos, de 2016 até 2019. Essa incerteza não é boa, inclusive, para a entrada de investimentos estrangeiros no país. Então, além de tudo, ela deve prejudicar o Brasil do ponto de vista marco econômico”, afirmou Vera Chemin. Ela acrescentou que a decisão da Suprema corte só vai valer a partir do momento que o acórdão do julgamento for publicado no site do tribunal. “A partir daí é lógico que cada juízo competente terá a responsabilidade de analisar cada caso e determinar a soltura de cada réu, com algumas exceções, por exemplo, para o réu extremamente perigoso, ou um traficante de drogas, ou algo parecido. Com relação aos crimes do colarinho branco, é uma questão apenas da defesa do réu pedir a soltura”, concluiu.
Já o advogado criminalista João Paulo Martinelli, professor de direito penal e econômico da Escola de Direito do Brasil (EDB), considera positiva a decisão do STF. “Eu concordo em quase tudo, pois entendo que a Constituição é muito clara sobre o trânsito em julgado, já que ninguém pode cumprir pena enquanto ainda é considerado inocente, e essa presunção de inocência só desaparece quando a condenação transitar em julgado”, disse. “E sempre foi assim; nunca houve proibição que um tribunal decretasse a prisão preventiva, que é diferente da prisão penal, de alguém que foi condenado em segunda instância. Sempre se entendeu que não podia haver a execução da pena, mas a prisão preventiva sempre foi possível, basta que haja algum requisito do artigo 312 do Código de Processo Penal. Ou seja, não houve proibição de prisão ao condenado em segunda instância, já que a preventiva pode ser aplicada”, explicou.