O ex-jogador Ronaldo Fenômeno está utilizando as redes sociais para combater o racismo. Nas últimas semanas, o jogador que foi eleito por três vezes o melhor do mundo cobrou punições mais severas nos casos no futebol italiano e ainda destacou uma palestra que seu pai proferiu sobre o tema na escola das netas. O engajamento com a questão racial é uma novidade em sua trajetória.
O último episódio que chamou a atenção do herói do pentacampeonato da seleção brasileira aconteceu no início do mês no Campeonato Italiano, no jogo entre Verona e Brescia, válido pela 11ª rodada. O atacante Mario Balotelli, do Brescia, percebeu que alguns membros da torcida adversária estavam emitindo ofensas racistas e imitando sons de macacos. Revoltado, ele jogou a bola para a arquibancada e ameaçou sair de campo, mas foi convencido pelos colegas de equipe a continuar. O jogador ainda marcou um belo gol na partida, que terminou 2 a 1 para o Verona.
“Lamentáveis e repugnantes os casos de discriminação racial no último final de semana, no Campeonato Italiano. A liga deveria se posicionar com seriedade e rigor. No mínimo, com punições que abrangessem perda de pontos, portões fechados nos jogos seguintes e aplicação de multa”, escreveu o ex-jogador, que fez história defendendo a camisa da Inter de Milão entre 1997 e 2002.
O episódio dividiu as opiniões na Itália. O técnico do Verona, Ivan Juric, disse que as provocações foram normais e que não tinham cunho racista: “Não tenho medo de dizer que hoje não havia nada: muita vaia e provocação a um grande jogador, mas nada mais”. Já Balotelli indicou que não vai mais toleras as ofensas racistas. “Pessoas assim devem ser banidas da sociedade, não só do futebol. Chega de engolir. Chega de deixar para lá. Chega. Chega.”
Ronaldo já havia discutido o tema em outubro ao compartilhar fotos de um evento de seu pai, Nélio, ao lado das suas filhas Maria Sofia e Maria Alice. “Temos um papel essencial na criação de uma sociedade livre de preconceitos. E esse registro me enche de orgulho, alegria e esperança: meu pai, ao lado das minhas filhas, na escola delas, depois de dar uma aula sobre racismo estrutural às crianças. A classe, de maioria branca, ouviu o seu Nélio com a atenção, o interesse e o respeito que o assunto merece”, escreveu o jogador.
Ronaldo defende a educação como ferramenta para desconstruir o racismo estrutural. “É difícil a percepção do racismo estrutural por aqueles que não sofrem. As pessoas não se reconhecem racistas, mas promovem a segregação, direta ou indiretamente, em nossos costumes. Quem nega o racismo é racista. Precisamos descortiná-lo e desconstruí-lo para que possamos educar nossos filhos, em casa e na escola, impedindo que se perpetue pelas próximas gerações. Não podemos mudar o mundo da noite pro dia, mas, todos os dias, podemos ser a mudança que queremos ver”.
O engajamento com a questão racial é uma novidade em sua trajetória. Ao longo da carreira como jogador, Ronaldo Fenômeno evitou o tema. Em 2005, em uma das raras declarações sobre o assunto, ele se afirmou “branco”. “Acho que todos os negros sofrem. Eu, que sou branco, sofro com a ignorância”, disse o craque a respeito de episódios de racismo que ocorriam no futebol espanhol naquela época.
Um ano atrás, o Fenômeno adquiriu 51% das ações do Valladolid e se tornou dono da equipe espanhola. O brasileiro não fez loucuras financeiras e começou sua nova empreitada no futebol preocupado em criar um alicerce: os primeiros gastos e esforços foram voltados para melhorar a infraestrutura antes de se pensar na chegada de grandes estrelas.
Outros incidentes
No último fim de semana, novo caso de injúria racial aconteceu no futebol ucraniano e envolveu os jogadores brasileiros Taison e Dentinho. O episódio ocorreu no clássico entre Shakhtar Donetsk, que jogava em casa, e Dínamo de Kiev. Taison, do Shakhtar, acabou expulso por mostrar o dedo do meio em um gesto obsceno e chutar a bola em direção à torcida rival, em resposta às ofensas direcionadas a ele e a seu companheiro de time, Dentinho. “Em uma sociedade racista, não basta não ser racista, precisamos ser antirracistas! O futebol precisa de mais respeito, o mundo precisa de mais respeito!”, escreveu nas redes sociais.
A Europa vem sofrendo com vários atos discriminatórios nos meses recentes. Na Data Fifa de outubro, o jogo entre Bulgária e Inglaterra, válido pelas Eliminatórias da Eurocopa de 2020, foi interrompido em duas oportunidades por causa dos sons de macaco e gestos nazistas vindos da torcida búlgara.
Na Rússia, os torcedores do Zenit protestaram contra a chegada do brasileiro Malcom, pedindo que o clube mantivesse sua suposta tradição de não ter negros em seu elenco. Outro jogador do País vítima de racismo no Velho Continente foi Dalbert. O lateral da Fiorentina chegou a avisar o árbitro do fato e a partida contra a Atalanta foi paralisada até os insultos pararem.
A luta contra o racismo na Itália tem sido ainda mais difícil porque os torcedores estão se voltando contra os atletas de sua própria equipe quando eles denunciam atos ofensivos nos jogos. Romelu Lukaku foi vítima e pediu duras punições. Em resposta, recebeu uma carta dos torcedores da Inter de Milão, equipe que defende, pedindo para ele considerar “essa atitude como uma forma de respeito” dos rivais. Os torcedores do Brescia também se voltaram contra Balotelli, dizendo que ele não soube lidar com as supostas provocações feitas pelos torcedores do Verona.