Documentos falsos, relações promíscuas, omissão da verdade ao poder público, à sociedade e aos acionistas e investidores, laudos forjados acobertando a tragédia iminente e, na conta final, 270 vítimas – 259 mortos e 11 ainda desaparecidos. O rompimento da Barragem 1 da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, da Vale, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, completa um ano no sábado, e, ontem, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) denunciou à Justiça (2ª Vara Criminal de Brumadinho) 16 pessoas (veja a lista), entre elas o ex-presidente da Vale Fabio Schvartsman, por homicídios dolosos duplamente qualificados, e por diversos crimes ambientais, como destruição de matas, poluição de rios e devastação da fauna.
“Os denunciados apostaram alto ao fazer vista grossa a uma situação que gritava pelo Plano de Ações Emergenciais para Barragens de Mineração (PAEBM), para não colocar em risco a imagem da empresa no mercado e diante dos acionistas”, disse, ontem, o procurador-geral de Justiça de Minas Gerais, Antônio Sérgio Tonet, ao lado de promotores de Justiça que atuam nas investigações, e do chefe da Polícia Civil do estado, Wagner Pinto, acompanhado de delegados igualmente envolvidos na apuração dos fatos que culminaram na maior tragédia humanitária da história do país.
Segundo as duas instituições, a conclusão das investigações demonstra a existência de uma promíscua relação entre as duas corporações denunciadas, no sentido de esconder a inaceitável situação de segurança de várias das barragens de mineração mantidas pela Vale. Na denúncia, as autoridades deixam claro que, “com apoio da Tüv Süd, a Vale operava uma caixa-preta com objetivo de manter uma falsa imagem de segurança da empresa de mineração, que buscava, a qualquer custo, evitar impactos sobre sua reputação, e consequentemente, alcançar a liderança mundial em valor de mercado”.
Nas apurações, em que foram ouvidas 183 pessoas, algumas por 12 horas seguidas, e consulta meticulosa a quase 6 milhões de arquivos digitais, entre outros documentos e equipamentos, os promotores de Justiça e delegados encontram fatos alarmantes, como uma relação mantida sigilosamente e denominada Top Ten (do inglês, as dez mais), em que executivos apontavam as barragens em situação incalculável de risco, conforme disse o coordenador do núcleo criminal da força-tarefa encarregada das investigações, o promotor de Brumadinho, William Garcia Pinto Coelho. Na lista, a Barragem 1 ocupava o oitavo lugar com probalidade de falha acima do limite aceitável a partir de estados da própria Vale.
“Recolhemos muitas provas, e devo dizer que a conclusão da investigação é só uma coincidência com a data triste (25 de janeiro, dia do rompimento da barragem) para lembrar. Sei que, hoje, ainda não temos a resposta que queremos dar à sociedade. Queremos o julgamento, com respeito aos direitos de cada um, mas com a condenação e prisão de todos os que contribuíram para que isso (a tragédia) acontecesse. Se condenados, os denunciados estão sujeitos a pena de 12 a 30 anos de prisão, com prescrição em 20 anos.
Com base nas investigações, Garcia Pinto destacou que, na verdade, o rompimento da Barragem da Mina do Córrego do Feijão, que também contaminou o Rio Paraopeba, importante manancial de abastecimento da Região Metropolitana de BH e outros municípios a jusante, começou bem antes de 25 de janeiro de 2019. “O crime perdurou por mais de um ano, desde novembro de 2017, a partir de quando a empresa passou a manter uma “gestão de riscos opaca”, impondo à sociedade suas decisões numa espécie de “ditadura corporativa”, ocultando os dados verdadeiros do poder público, dos acionistas e investidores. Há fontes mantidas em sigilo e sob proteção das autoridades, a exemplo de um “anônimo” que enviou, em 9 de janeiro de 2019, um e-mail ao MPMG sobre a falta de segurança das barragens.
Conforme o MPMG, a acusação de homicídio doloso duplamente qualificado decorre da investigação de que os crimes foram praticados por meio que resultou perigo comum, “já que um número indeterminado de pessoas foi exposto ao risco de ser atingido pelo violento fluxo de lama”. E mais: “Concluiu-se que os crimes foram praticados mediante recurso que dificultou a defesa das vítimas – já que o rompimento da barragem ocorreu de forma abrupta e violenta, tornando impossível ou difícil a fuga de centenas de pessoas que foram surpreendidas em poucos minutos pelo impacto do fluxo de lama – e o salvamento de outas centenas de vítimas que estavam na trajetória da massa de rejeito.”
PROCESSO
Conforme o MPMG, todos os crimes serão processados e julgados pela Justiça Estadual, em Brumadinho, “considerando que as falsas declarações de estabilidade apresentadas foram “verdeiro escudo” para as omissões dos denunciados que causaram os crimes de homicídio e ambientais.
Outro lado
Em nota, a Vale informou que “expressa sua perplexidade ante as acusações de dolo, e que é importante lembrar que outros órgãos também investigam o caso, sendo prematuro apontar assunção de risco consciente para provocar uma deliberada ruptura da barragem”. A empresa acrescenta que “confia no completo esclarecimento das causas da ruptura e reafirma seu compromisso de continuar contribuindo com as autoridades.”
- Fábio Schavartsman (diretor-presidente)
- Silmar Magalhães (diretor do Corredor Sudeste)
- Lúcio Flavo Gallon Cavalli (diretor de planejamento e desenvolvimento de ferrosos e carvão)
- Joaquim Pedro Toledo (gerente executivo de planejamento, programação e gestão do Corredor Sudeste)
- Alexandre de Paula Campanha (gerente-executivo de governança em geotecnia e fechamento de mina)
- Renzo Albieri Guimarães de Carvalho (gerente operacional de geotecnia do Corredor Sudeste)
- Marilene Cristina Oliveira Lopes de Assis Araujo (gerente de gastos de estruturas geotécnicas)
- César Augusto Paulino Grandchamp (especialista técnico em geotecnia do Corredor Sudeste)
- Cristina Heloisa da Silva Malheiros (engenheira sênior junto à gerência operacional)
- Washington Pireteda Silva (engenheiro especialista da gerência executiva da governança em geotecnia e fechamento de mina)
- Felipe Figueredo Rocha (engenheiro civil na gerência de gestão de estruturas).
- Chris Peter Mier (gerente geral da empresa)
- Ansênio Júnior (consultor técnico)
- André Juni Yassuda (consultor técnico)
- Makoto Namha (coordenador)
- Marlúcio Oliveira Coelho (especialista técnico)